quinta-feira, 4 de julho de 2013

Gerlúcido e a mania do PROCON


osmais
  
Gerlúcido começou a mania do PROCON depois de começar a mania do pôr-do-sol. Porque, além da mania da precisão, Gerlúcido tinha a mania da mania e de vez em quando começava uma nova. Colecionou, maníaca e precisamente, 3273 pôr-do-sol, coleção que continua. E ninguém pergunte se coleciona pôr-do-sol ou os documentos relativos, nem pergunte se coleciona pores-do-sol. Gerlúcido olhará firmemente em seus olhos e sem inflexão na voz lhe explicará detalhes gramaticais e a diferença entre gramática e lingüística e lhe encherá de exemplos e concluirá que a experiência do pôr-do-sol não pode se resumir aos documentos. Portanto, coleciona pôr ou pores do sol, na pluralidade possível da língua e na totalidade indivisível de sua existência.

Iniciou sua nova mania quando, comparando desconfiado os documentos sobre o pôr-do-sol 381 e o 3018, confirmou o que a sua impressão desconfortável sugerira: estivera realmente diante do mesmo pôr-do-sol repetido. Pensou, meditou, reuniu documentos comprobatórios e denunciou Deus ao PROCON, causando previsível tumulto. Quando finalmente foi levado a sério, iniciou-se o arrastado processo que segue os seus caminhos, com desfecho ainda imprevisível.

Perseguindo esse desfecho, Gerlúcido aciona a sua mania da argumentação que junto à mania da paciência sempre consegue resultados admiráveis. Ninguém lembra de ter visto Gerlúcido irritado, fora de seu controle, ou com sua voz acima dos convenientes decibéis da discussão polida. Mas ele repete persistentemente que determinada vez, em discussão com “arrogantes doutores”, se irritara “desmesuradamente” e respondera de modo “excessivamente ofensivo” aos seus interlocutores.
            
Sua irritação “desmesurada” (nunca descontrolada, explica, mas sem “parâmetros de medição”) gerara a seguinte “furiosa” resposta “excessivamente ofensiva”:
            
– “O patamar epistemológico-ilustrativo de vossa argumentação não alcança o primeiro degrau do meu Empire-State.” – E saiu sobranceiramente.
            
Realmente, a coleção substanciosa de provas documentais, deixou o povo do prestimoso órgão alucinado, tendo sido rebatida qualquer dúvida pelo detalhismo e persistência argumentativa de Gerlúcido. E se a primeira questão era o contato com o réu, Gerlúcido trazia algumas sugestões, a mais aceita, a interlocução com os seus representantes, aqueles que costumavam falar em Seu nome. Da cuidadosa lista inicial de 325.667 pessoas que Gerlúcido apresentara, sobraram 37 representantes principais, redução sugerida pelo PROCON e aceita pelo requerente. O que continua em discussão é o requerimento inicial da reparação. Gerlúcido persiste em solicitar dez por cento dos direitos autorais sobre o livro escrito por Deus, o que em linguagem cristã, soa quase como blasfêmia. Gerlúcido insiste em que Deus lhe dê o dízimo.
            
O processo contra Deus corre pelos trâmites cabíveis, mas Gerlúcido pegou a mania e já iniciou outros 29 processos, nesses últimos cinqüenta dias. Colocou os seus pais, o presidente Lula, Chico Buarque de Holanda, seu anjo da guarda, Ronaldinho Gaúcho, o Programa do Jô, Bin Laden, sua professora primária, George Bush, Barack Obama, o governo da Groelândia e outros. O mais recente processo, cansado das filas diárias, das interlocuções intermináveis, do peso do ônus da prova, como mostra das suas precisas e preciosas iluminações, colocou o PROCON no PROCON.

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