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Gerlúcido
começou a mania do PROCON depois de começar a mania do pôr-do-sol. Porque, além
da mania da precisão, Gerlúcido tinha a mania da mania e de vez em quando
começava uma nova. Colecionou, maníaca e precisamente, 3273 pôr-do-sol, coleção
que continua. E ninguém pergunte se coleciona pôr-do-sol ou os documentos
relativos, nem pergunte se coleciona pores-do-sol. Gerlúcido olhará firmemente
em seus olhos e sem inflexão na voz lhe explicará detalhes gramaticais e a
diferença entre gramática e lingüística e lhe encherá de exemplos e concluirá
que a experiência do pôr-do-sol não pode se resumir aos documentos. Portanto,
coleciona pôr ou pores do sol, na pluralidade possível da língua e na
totalidade indivisível de sua existência.
Iniciou
sua nova mania quando, comparando desconfiado os documentos sobre o pôr-do-sol
381 e o 3018, confirmou o que a sua impressão desconfortável sugerira: estivera
realmente diante do mesmo pôr-do-sol repetido. Pensou, meditou, reuniu
documentos comprobatórios e denunciou Deus ao PROCON, causando previsível
tumulto. Quando finalmente foi levado a sério, iniciou-se o arrastado processo
que segue os seus caminhos, com desfecho ainda imprevisível.
Perseguindo
esse desfecho, Gerlúcido aciona a sua mania da argumentação que junto à mania
da paciência sempre consegue resultados admiráveis. Ninguém lembra de ter visto
Gerlúcido irritado, fora de seu controle, ou com sua voz acima dos convenientes
decibéis da discussão polida. Mas ele repete persistentemente que determinada
vez, em discussão com “arrogantes doutores”, se irritara “desmesuradamente” e
respondera de modo “excessivamente ofensivo” aos seus interlocutores.
Sua
irritação “desmesurada” (nunca descontrolada, explica, mas sem “parâmetros de
medição”) gerara a seguinte “furiosa” resposta “excessivamente ofensiva”:
–
“O patamar epistemológico-ilustrativo de vossa argumentação não alcança o
primeiro degrau do meu Empire-State.” – E saiu sobranceiramente.
Realmente,
a coleção substanciosa de provas documentais, deixou o povo do prestimoso órgão
alucinado, tendo sido rebatida qualquer dúvida pelo detalhismo e persistência
argumentativa de Gerlúcido. E se a primeira questão era o contato com o réu,
Gerlúcido trazia algumas sugestões, a mais aceita, a interlocução com os seus
representantes, aqueles que costumavam falar em Seu nome. Da cuidadosa lista
inicial de 325.667 pessoas que Gerlúcido apresentara, sobraram 37
representantes principais, redução sugerida pelo PROCON e aceita pelo requerente.
O que continua em discussão é o requerimento inicial da reparação. Gerlúcido
persiste em solicitar dez por cento dos direitos autorais sobre o livro escrito
por Deus, o que em linguagem cristã, soa quase como blasfêmia. Gerlúcido
insiste em que Deus lhe dê o dízimo.
O
processo contra Deus corre pelos trâmites cabíveis, mas Gerlúcido pegou a mania
e já iniciou outros 29 processos, nesses últimos cinqüenta dias. Colocou os
seus pais, o presidente Lula, Chico Buarque de Holanda, seu anjo da guarda, Ronaldinho
Gaúcho, o Programa do Jô, Bin Laden, sua professora primária, George Bush,
Barack Obama, o governo da Groelândia e outros. O mais recente processo,
cansado das filas diárias, das interlocuções intermináveis, do peso do ônus da
prova, como mostra das suas precisas e preciosas iluminações, colocou o PROCON
no PROCON.
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