quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pelas beiras do pirão

bodoquenanews.com.br

Cruzei com um irritado Paranísio, fora do seu habitual jeito irreverente e divertido, e não pude deixar de tentar descobrir a causa de seu inusitado mau humor. Surpreso, descobri que o motivo fora que, em recente reunião de ONG’s, o seu Sindicato dos Ambulantes de Vila Maravila não fora convidado a participar, exatamente quando a consulta buscava soluções concretas para o futuro do Brasil e o seu sindicato se constituía, na sua opinião, no único sindicato de vergonha de todo o país..

– O pirão quente só se come pelas beiras – tentou me explicar Paranísio e não entendendo eu ainda, pacientemente, abriu para a minha compreensão elitista insuspeitados e sugestivos horizontes de uma autêntica sociologia popular.

Na Vila Maravila, nas margens da vida e da história, Paranísio e o seu sindicato vinham liderando uma silenciosa e surpreendente revolução. Com a imagem de uma sociedade futura diferente na cabeça, promovendo reuniões participativas, negociando soluções comunitárias com diferentes grupos, atividades conjuntas e criativas haviam gradativamente transformado a Vila em um novo lugar. Árvores, flores, muros de arrimo, escadas de cimento, chafariz, telefones públicos, rádio comunitária, creche, escola, cursos alternativos, áreas e atividades de lazer, foram brotando dessas pequenas atitudes e transformando o amontoado amorfo da Vila em uma comunidade organizada, consciente, combativa e criativa.

Se o país então, na linguagem de Paranísio, havia se tornado esse escaldado pirão, só poderia ser digerido a partir de suas periferias, através das soluções marginais e da criatividade das beiras.

Lembrei de Thomas Kuhn e sua tese de que as revoluções científicas com os seus novos paradigmas não vinham nunca da ciência oficial, ou de um especialista na área, mas de uma ciência marginal, muitas vezes através de um desconhecido e atrevido cientista de formação insuficiente para o tipo de pesquisa que realizava. E lembrei de Jesus e de sua atração pelas periferias.

Se considerarmos a Palestina uma periferia da história, uma beira, Jesus nascera em um estábulo de Belém e crescera em Nazaré, periferia da periferia, beira de todas as beiras. Ele mesmo não surgira dos círculos oficiais, mas de suas desconhecidas beiras. Gostava de andar à beira mar e nessas beiras encontrara os seus principais discípulos; conversara com a mulher samaritana à beira do poço de Jacó e os leprosos, cegos e coxos, à beira do caminho, o solicitavam e eram acolhidos; a maioria dos seus seguidores encontrava-se à beira da sociedade, da religião e da dignidade humana.e a cruz que o executara fora erguida à beira da cidade de Jerusalém.

(Esse texto se encontra no livro “Vila Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Getúlio Vargas, 2410, Feira de Santana – BA.)

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