sexta-feira, 26 de julho de 2013

O ESPETÁCULO DO SAGRADO

Photo: Tiziana Fabi, License: AFP



Marcos Monteiro*

O papa nos proporciona o terceiro espetáculo de grande porte em poucos dias; as multidões convidadas a participar como atores e atrizes, como expectadores e até como produtoras. Depois do espetáculo popular da política e do espetáculo do futebol, o espetáculo do sagrado ocupa a produção de imagens e de reportagens divulgadas maciçamente pelos meios de comunicação, nessa sociedade em que o parecer vale mais do que o ter e o ter do que o ser.

Todos nós levamos um papa na consciência ou na nossa estrutura existencial, necessidade de referenciais fora de nós que sejam maiores do que nós. O poeta Ascenso Ferreira, coloca esse estruturante da existência em poesia, dessas de cunho popular e de beleza incomum.

“O home de minha terra tem um deus de carne e osso!
– Um deus verdadeiro,
que tudo pode, tudo manda e tudo quer...
E pode mesmo de verdade.
Sabe disso o mundo inteiro:
– Meu padinho Pade Ciço do Joazero!”

Quem caminha pelo interior do Nordeste sabe bem que o papa do sertanejo foi o “Padim Ciço”, representante de carne e osso do divino. Depois da morte, para a população mais necessitada, assumiu o seu lugar no panteão dos deuses junto de Deus, muito próximo da trindade.

O papado é uma instituição muito antiga que cumpre papéis complexos dentro da história. Se, por um lado concretiza o nosso ideal de ser humano, faz isso dentro das limitações desse mesmo humano, em uma instituição que exige que seja mais do que pode ser. Dentro desse complexo se constituem as cisões e as fragmentações. A questão protestante, do século XVI, não deixou de ser uma espécie de disputa entre dois papas, Leão X, o papa de Roma e Martinho Lutero, o papa de Wittenberg, como lhe costumava definir o ex-companheiro, Karlstadt. Como resultado, multiplicaram-se os papas, sendo cada pastor protestante uma espécie de papa dentro de seu feudo eclesiástico.

O papa Francisco I é a novidade de um pontífice latino, mas traz a ambigüidade da instituição e a responsabilidade de ser maior do que si mesmo, dentro de um contexto histórico em que a Igreja não tem estado do lado das minorias e muito menos apoiado as lutas por mudanças sociais necessárias. Desse modo, a palavra “pobre” torna-se categoria duvidosa, e o compromisso com os pobres, quando não engloba a luta pelo direito dos homossexuais e das mulheres, a necessidade de descriminalização do aborto e outras bandeiras, por exemplo, torna-se compromisso ambíguo em que qualquer apelo à paz torna-se convite a uma submissão indigna a valores que desvalorizam tanto as vítimas de discriminação social quanto as pessoas e instituições que as discriminam.

A grandiosidade do espetáculo impressiona pela aparência de força e de unidade dentro do conflito permanente e cada vez mais acirrado no seio da sociedade. Todo grande espetáculo está a serviço dos grandes grupos econômicos, até mesmo o legítimo movimento de rua transformado em espetáculo se transforma em mobilização de capital, nesse momento, circulação de bens e serviços religiosos que alimentam um mercado crescente e voraz.

Mais uma vez, o sofrimento de pessoas e grupos divergentes, será mediado não por posturas éticas ou por mobilizações sociais, mas pelo jogo de interesses jogado com muita habilidade pelo poder econômico. Nesse contexto, a religião se transforma em mercadoria muito perigosa para o fiel que se encontra diante do papa, estrela máxima e divina nesse espetáculo desproporcional. Nós, meros mortais,  consumidores religiosos vulneráveis, estamos especialmente fragilizados porque de certo modo carregamos um papa na nossa consciência.



*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.                      

            

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