Photo: Tiziana Fabi, License: AFP |
Marcos Monteiro*
O papa nos proporciona o terceiro
espetáculo de grande porte em poucos dias; as multidões convidadas a participar
como atores e atrizes, como expectadores e até como produtoras. Depois do
espetáculo popular da política e do espetáculo do futebol, o espetáculo do
sagrado ocupa a produção de imagens e de reportagens divulgadas maciçamente
pelos meios de comunicação, nessa sociedade em que o parecer vale mais do que o
ter e o ter do que o ser.
Todos nós levamos um papa na
consciência ou na nossa estrutura existencial, necessidade de referenciais fora
de nós que sejam maiores do que nós. O poeta Ascenso Ferreira, coloca esse
estruturante da existência em poesia, dessas de cunho popular e de beleza
incomum.
“O home de
minha terra tem um deus de carne e osso!
– Um deus
verdadeiro,
que tudo pode,
tudo manda e tudo quer...
E pode mesmo
de verdade.
Sabe disso o
mundo inteiro:
– Meu padinho
Pade Ciço do Joazero!”
Quem caminha pelo interior do
Nordeste sabe bem que o papa do sertanejo foi o “Padim Ciço”, representante de
carne e osso do divino. Depois da morte, para a população mais necessitada,
assumiu o seu lugar no panteão dos deuses junto de Deus, muito próximo da
trindade.
O papado é uma instituição muito
antiga que cumpre papéis complexos dentro da história. Se, por um lado
concretiza o nosso ideal de ser humano, faz isso dentro das limitações desse
mesmo humano, em uma instituição que exige que seja mais do que pode ser.
Dentro desse complexo se constituem as cisões e as fragmentações. A questão
protestante, do século XVI, não deixou de ser uma espécie de disputa entre dois
papas, Leão X, o papa de Roma e Martinho Lutero, o papa de Wittenberg, como lhe
costumava definir o ex-companheiro, Karlstadt. Como resultado, multiplicaram-se
os papas, sendo cada pastor protestante uma espécie de papa dentro de seu feudo
eclesiástico.
O papa Francisco I é a novidade
de um pontífice latino, mas traz a ambigüidade da instituição e a
responsabilidade de ser maior do que si mesmo, dentro de um contexto histórico
em que a Igreja não tem estado do lado das minorias e muito menos apoiado as
lutas por mudanças sociais necessárias. Desse modo, a palavra “pobre” torna-se
categoria duvidosa, e o compromisso com os pobres, quando não engloba a luta
pelo direito dos homossexuais e das mulheres, a necessidade de
descriminalização do aborto e outras bandeiras, por exemplo, torna-se
compromisso ambíguo em que qualquer apelo à paz torna-se convite a uma
submissão indigna a valores que desvalorizam tanto as vítimas de discriminação
social quanto as pessoas e instituições que as discriminam.
A grandiosidade do espetáculo
impressiona pela aparência de força e de unidade dentro do conflito permanente
e cada vez mais acirrado no seio da sociedade. Todo grande espetáculo está a
serviço dos grandes grupos econômicos, até mesmo o legítimo movimento de rua transformado
em espetáculo se transforma em mobilização de capital, nesse momento,
circulação de bens e serviços religiosos que alimentam um mercado crescente e
voraz.
Mais uma vez, o sofrimento de
pessoas e grupos divergentes, será mediado não por posturas éticas ou por
mobilizações sociais, mas pelo jogo de interesses jogado com muita habilidade
pelo poder econômico. Nesse contexto, a religião se transforma em mercadoria
muito perigosa para o fiel que se encontra diante do papa, estrela máxima e
divina nesse espetáculo desproporcional. Nós, meros mortais, consumidores religiosos vulneráveis, estamos especialmente
fragilizados porque de certo modo carregamos um papa na nossa consciência.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira
Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança
de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do
Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
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