Gn 29,31 – 30,24
O nosso patriarca continua sua
peregrinação pelos intricados caminhos da família patriarcal. Apaixonado por
Raquel, descobre que o amor exige o seu preço e torna qualquer pessoa
vulnerável. Pagou por Raquel vinte e um anos de trabalho semi-escravo (Lia veio
de brinde) e agora está pronto para constituir seu próprio clã e precisa de
filhos.
Dentro do sistema, os filhos
homens são mão de obra para a lavoura ou pastoreio, e guerreiros para defender
a família. As mulheres precisam fornecer os homens.
Nas complexas relações
familiares, não há interesse evidente por mais alguma coisa vinda da mulher.
Sabemos, por exemplo, que Jacó ama Raquel, mas não se diz nada do amor de
Raquel ou de Lia por Jacó. Estaria implícito na relação. O amor masculino seria
escolha, o feminino obrigação.
deboraflores |
“Vendo Javé que Lia era
desprezada, fê-la fecunda; ao passo que Raquel era estéril” (Gn 29,31).
Companheiro e sócio de Jacó, Javé
parece se manter um pouco distante das artimanhas do amor, como quem não quer
se intrometer nessas complicadas questões. Quando intervém fica sempre do outro
lado, nesse caso do lado de Lia, a desprezada. Javé tem uma atração permanente
por desprezados e proscritas.
No sistema da época, a realização
da mulher passava pelo útero, lugar de produção de vida e nesse aspecto, Lia
levava vantagem.
Para Raquel, o amor de Jacó não
basta, precisa se saber mulher, aquela que gera vida. E usa de todas as suas
armas para competir com a irmã. Para dar dois filhos a Jacó usa o útero da
serva, Bila, mas a irmã reage com o mesmo artifício e acrescenta também dois
filhos à prole de Jacó, através de Zilpa, sua serva.
Nessa estranha competição
acontece um estranho episódio. Raquel deseja as mandrágoras que Rúben, filho
mais velho de Lia, trouxe para a sua mãe e vende uma noite de amor com Jacó
pelas mandrágoras.
O episódio se assemelha ao prato
de lentilhas, em que Jacó se aproveita do cansaço do irmão, para ganhar
direitos de primogênito. O que muda é que Lia luta pelo direito ao amor, e Jacó
torna-se um objeto de transação na disputa entre as duas irmãs. Curiosamente,
as mandrágoras eram consideradas afrodisíacas e capazes de curar a esterilidade
de Raquel.
Na continuidade da história, Lia
tem mais dois filhos e acredita-se capaz de conquistar finalmente o amor de
Jacó. Depois de tudo isso, Raquel concebe, por intervenção de Javé, que resolve
salvar a sua reputação. O sistema patriarcal (e nenhum sistema) consegue
controlar o movimento do amor. Lia é a mais fecunda, mas Raquel continua sempre
a mais amada.
São dos úteros das mulheres que a
vida e as sociedades humanas vão surgindo. O homem é incapaz de gerar vida,
segredo bem guardado pelas mulheres. A palavra “útero” gera a palavra
“misericórdia” e Javé, aquele que tem a capacidade de gerar vida, de dar forma
ao informe ou disforme, é chamado de misericordioso, ou seja aquele que tem um
útero.
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