segunda-feira, 29 de julho de 2013

AVENTURAS E DESVENTURAS DE JACÓ – VI


 O útero da mulher 
Gn 29,31 – 30,24

O nosso patriarca continua sua peregrinação pelos intricados caminhos da família patriarcal. Apaixonado por Raquel, descobre que o amor exige o seu preço e torna qualquer pessoa vulnerável. Pagou por Raquel vinte e um anos de trabalho semi-escravo (Lia veio de brinde) e agora está pronto para constituir seu próprio clã e precisa de filhos.

Dentro do sistema, os filhos homens são mão de obra para a lavoura ou pastoreio, e guerreiros para defender a família. As mulheres precisam fornecer os homens.

Nas complexas relações familiares, não há interesse evidente por mais alguma coisa vinda da mulher. Sabemos, por exemplo, que Jacó ama Raquel, mas não se diz nada do amor de Raquel ou de Lia por Jacó. Estaria implícito na relação. O amor masculino seria escolha, o feminino obrigação.

deboraflores


“Vendo Javé que Lia era desprezada, fê-la fecunda; ao passo que Raquel era estéril” (Gn 29,31).

Companheiro e sócio de Jacó, Javé parece se manter um pouco distante das artimanhas do amor, como quem não quer se intrometer nessas complicadas questões. Quando intervém fica sempre do outro lado, nesse caso do lado de Lia, a desprezada. Javé tem uma atração permanente por desprezados e proscritas.

No sistema da época, a realização da mulher passava pelo útero, lugar de produção de vida e nesse aspecto, Lia levava vantagem.

Para Raquel, o amor de Jacó não basta, precisa se saber mulher, aquela que gera vida. E usa de todas as suas armas para competir com a irmã. Para dar dois filhos a Jacó usa o útero da serva, Bila, mas a irmã reage com o mesmo artifício e acrescenta também dois filhos à prole de Jacó, através de Zilpa, sua serva.

Nessa estranha competição acontece um estranho episódio. Raquel deseja as mandrágoras que Rúben, filho mais velho de Lia, trouxe para a sua mãe e vende uma noite de amor com Jacó pelas mandrágoras.

O episódio se assemelha ao prato de lentilhas, em que Jacó se aproveita do cansaço do irmão, para ganhar direitos de primogênito. O que muda é que Lia luta pelo direito ao amor, e Jacó torna-se um objeto de transação na disputa entre as duas irmãs. Curiosamente, as mandrágoras eram consideradas afrodisíacas e capazes de curar a esterilidade de Raquel.

Na continuidade da história, Lia tem mais dois filhos e acredita-se capaz de conquistar finalmente o amor de Jacó. Depois de tudo isso, Raquel concebe, por intervenção de Javé, que resolve salvar a sua reputação. O sistema patriarcal (e nenhum sistema) consegue controlar o movimento do amor. Lia é a mais fecunda, mas Raquel continua sempre a mais amada.


São dos úteros das mulheres que a vida e as sociedades humanas vão surgindo. O homem é incapaz de gerar vida, segredo bem guardado pelas mulheres. A palavra “útero” gera a palavra “misericórdia” e Javé, aquele que tem a capacidade de gerar vida, de dar forma ao informe ou disforme, é chamado de misericordioso, ou seja aquele que tem um útero.

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