terça-feira, 23 de julho de 2013

Caçadores e amantes


"Walberg Egon
Caça à raposa 


Alguns amigos são excelentes caçadores de textos.
 
Afiam e lubrificam suas armas, treinam e alimentam os cães, e montados em seus cavalos, sozinhos ou com outros caçadores, saem à procura de textos, até encurralá-los habilmente.
 
Quando descobrem um que vale a pena, percorrendo sendas e decifrando pistas, aproximam-se valentemente desse assustado animal e, sem pressa, começam a esfaqueá-lo (porque caçar é uma arte que exige técnica e sangue-frio), recolhendo-lhe o sangue, até dar-lhe com precisão um tiro de misericórdia, e transportá-lo, às vezes em alaridos, para casa.
 
Então, tiram-lhe a pele para a fábrica de artefatos e as carnes, ossos e miúdos para banquetes posteriores, que no texto tudo se aproveita.
 
Os mais belos são empalhados e exibidos como adorno nas paredes. Os mais gordos têm a carne charqueada por longos e ensolarados dias.
 
Participei na casa desses amigos, de banquetes inesquecíveis, onde os textos temperados levemente ou fortemente apimentados, foram servidos ao som de música ambiente em meio ao consumo de licores e vinhos apropriados.
 
Também sou apaixonado por textos, mas os prefiro vivos, em sua imensa capacidade de partilha de dores e prazeres.
 
Não me entendam mal, é necessário um certo clima introdutório, uma piscadela, um leve sorriso, para que o texto me desafie para uma aventura.
 
Gosto, então, de passear e conversar longamente com o texto, em uma amizade que nunca irá passar disso.
 
Convido alguns textos para jantar e, na pista de dança, ensaiamos alguns passos e até alguns carinhos leves, ou beijos introdutórios, mas, mesmo assim, pode não passar disso.
 
De repente, acontece, simplesmente, e nos encontramos juntos e nus na cama, terna ou loucamente entrelaçados, ou as duas coisas. Coisas e segredos da paixão.
 
Nunca casei com um texto, mas já morei com alguns, com maior ou menor liberdade mútua.
 
Os textos que amei e pelos quais fui amado, tenho certeza, continuam vivos por aí, apaixonados e apaixonantes, prontos para um novo amor, nunca colecionados, exibidos ou empalhados, no máximo recordados em sonhos e devaneios.
 
Também gosto de comer textos, mas são muito mais saborosos dessa outra maneira, em meio a orgasmos mútuos.
 



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