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Todas as terças-feiras, à tardinha, meus
sonhos rejuvenescem e meu coração se aquieta através do repetido
ritual da comida partilhada na casa de Mãe Silícia.
Nesses
momentos, diante do mesmo cheiroso e saboroso café e do mesmo pão com ovo
frito, penetro na milenar tradição das sagradas refeições de todos os tempos e
quase posso entender os antigos. Para estes, toda refeição era realizada na
presença dos seus deuses e dos seus antepassados. Na casa de Mãe Silícia,
partilhamos juntos o mistério da presença de Deus e da sabedoria popular,
transmitida oralmente nos diversos e diferentes rituais da vida, e é como se o
próprio Deus e diversas personagens da história provassem também gravemente
daquele café.
Nesta semana,
Mãe Silícia nos trouxe uma história.
Religiosa história nordestina de um imaginário mítico onde Jesus,
apóstolos, anjos e também o demônio passeiam pelas veredas do sertão ou pelas
ruas da cidade grande, em um delicado colóquio entre o sagrado e o cotidiano.
Determinado
vaqueiro fizera solenemente a promessa de assistir a duzentas missas da
comunidade, sem interromper por motivo nenhum a freqüência, e assim o fez. Para
controlar a promessa, a cada missa que assistia colocava uma pedra redonda e
lisa em um velho toco de árvore, restos de um grande e famoso cajueiro da
região.
Tendo mantido
fervorosamente a promessa por muito tempo, em um belo domingo deparou-se com
uma cena que o deixou em difícil situação. No caminho da Igreja, um velho,
pobre e desconhecido mendigo, jazia no chão todo ensangüentado. Sem tempo para
raciocinar e totalmente esquecido da promessa, tomou o ancião nos braços, sujando sua roupa domingueira, e levou-o
ansioso à casa do médico do lugarejo que conseguiu salvar a vida do pedinte.
Somente depois
lembrou-se da promessa. À noite, depois de um dia de profundo desespero, sonhou
que Jesus lhe aparecia, conduzia-lhe silenciosamente até o toco do cajueiro e
lhe pedia que prestasse contas da promessa. O vaqueiro, desolado, debruça-se
sobre o toco e procura para se explicar todas as pedras ali depositadas e
surpreso encontra apenas uma pedra.
Nesse momento
acontece a surpreendente revelação.
Jesus lhe explica tranqüilamente que essa fora a única missa que
realmente recebera. O velho mendigo ferido teria sido o próprio Jesus que,
disfarçado, vem à terra para testar os seus seguidores e o vaqueiro passara
plenamente no teste. Ele, Jesus, não
precisava de duzentas missas, a única missa de que precisava era exatamente a
missa da ajuda aos desprezados e aos esquecidos da sociedade: a missa da
justiça e da solidariedade.
Que poderia eu
dizer depois dessa história? Somente
pude lembrar do bíblico vaqueiro profeta Amós, saindo do campo e caminhando
pelas ruas da cidade grande, gritando que mais do que de culto, de cânticos e
de orações empoladas, Deus se agradava era mesmo da realização da justiça. E o
texto que me ocorreu foi “Antes corra o
juízo como as águas e a justiça como ribeiro perene” Amós 5, 23.
Vivemos
momentos de muito misticismo e de muita religiosidade, onde abundam cultos com
coreografias exóticas e onde a busca por expressões litúrgicas parece ser mais
importante do que o resgate do compromisso ético. Diante disso, talvez seja necessário aprender
a construir artesanalmente com Mãe Silícia uma teologia do toco do cajueiro
e a restaurar uma antiga liturgia: exatamente a liturgia da justiça e da
solidariedade.
(Esse texto se encontra no livro “Vila
Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em
contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Getúlio Vargas, 2410, Feira de
Santana – BA. Da mesma maneira você pode encontrar o segundo volume: “Vila
Maravila: gols de esperança no campo da vida”)
Amei! Vou postar na página do IJEPAVI, instituição que `Paulo criou e preside.
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