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Precisava decidir se voltaria de
avião ou de ônibus do Recife para Feira de Santana, cerca de 900 quilômetros de
estrada, e, aconselhado, optei pelo ônibus. Ainda não havia deixado o perímetro
urbano quando participei involuntariamente desse movimento reivindicatório e
compulsório de redistribuição de renda que todos chamam de assalto à mão armada
Enquanto parte de minha renda era
redistribuída pude observar algumas coisas que não podiam deixar de me chamar a
atenção. Entre elas a eficiência da equipe que reivindicava e a tranqüilidade
dos passageiros reivindicados. Participávamos todos de uma rotina bem
conhecida, fosse teórica ou praticamente, e todos conheciam a sua parte,
inclusive os marinheiros de primeira viagem, entre os quais eu me incluí
Sendo a primeira vez que
acontecia comigo (e o primeiro assalto a gente nunca esquece), pude me sentir
finalmente bem brasileiro ou, como se diz, mais brasileiro do que nunca. Fora
incluído, tornara-me relevante, ao menos estatisticamente, e foi como bom
brasileiro que esvaziei totalmente a minha carteira e em momento nenhum pensei
na possibilidade de reagir.
Eram cinco jovens que dirigiam
arbitrariamente a redistribuição. Três subiram armados na primeira parada do
caminho e dois já viajavam no ônibus. Todos haviam comprado passagem, o que
poderia depois talvez caracterizar o assalto como legítima defesa.
Um ser humano com uma arma na mão
lembra como a humanidade é perigosa. Perigosa mesmo com uma caneta, como o
presidente que decide decretalmente sobre a situação do homem do campo, ou sem
nada, como o chefe de estado que anuncia a invasão de um país, apesar das
brutais conseqüências que atingirão milhares de pessoas. Desses exemplos,
portanto, o assaltante é o ser humano menos perigoso.
Não houve intimidações exageradas
e não houve palavrões. Os assaltantes usaram uma linguagem respeitosa, tendo em
vista as senhoras presentes, ou simplesmente eram de origem evangélica e
aprenderam com os seus pastores os primeiros rudimentos da profissão.
Ainda assim, creio que uma maior
gentileza no anúncio do assalto nunca seria demais. “Desculpem o transtorno” e
“por favor, queiram esvaziar as carteiras” poderia diminuir ainda mais a tensão
do momento.
Apesar de admitir e admirar a
eficiência e eficácia da equipe reivindicatória, ainda acho que deveria haver
mais critério na redistribuição. Talvez fosse a pressa (sempre inimiga da
perfeição), mas faltou uma maior investigação sobre os rendimentos de cada
passageiro para que cada um contribuísse com um percentual mais condizente.
Tenho dúvidas sobre o critério de
que toda a renda da carteira de cada um deva ir apenas para os mesmos cinco
assaltantes. Alguns dos passageiros, certamente, mereceriam também ser
contemplados. Ainda sou daqueles que acham que todas as coisas, inclusive os
assaltos, devam ser realizadas com ordem, vagar e critérios. Seria muito
criativo o sorteio, por exemplo, de um dos celulares requisitados para
benefício de um dos passageiros mais idosos.
De todo o modo, a redistribuição
foi realizada sem muita complicação, sem nenhuma violência e logo acabou. Os
assaltantes desceram e o ônibus, desviado deliberadamente de sua rota, ficou a
vagar sem rumo dentro da cidade até encontrar uma delegacia para registrar a
queixa.
(Esse texto foi escrito há quase dez anos depois de ter sofrido assalto em ônibus, o primeiro de alguns outros)
Marcos, você não existe, cara. Texto maravilhoso e muito bem humorado. Dá vontade de chorar e de chorar de rir também. Saudades.
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