quarta-feira, 26 de junho de 2013

Redistribuição de renda à mão armada

onibusparaibanos.com

Precisava decidir se voltaria de avião ou de ônibus do Recife para Feira de Santana, cerca de 900 quilômetros de estrada, e, aconselhado, optei pelo ônibus. Ainda não havia deixado o perímetro urbano quando participei involuntariamente desse movimento reivindicatório e compulsório de redistribuição de renda que todos chamam de assalto à mão armada

Enquanto parte de minha renda era redistribuída pude observar algumas coisas que não podiam deixar de me chamar a atenção. Entre elas a eficiência da equipe que reivindicava e a tranqüilidade dos passageiros reivindicados. Participávamos todos de uma rotina bem conhecida, fosse teórica ou praticamente, e todos conheciam a sua parte, inclusive os marinheiros de primeira viagem, entre os quais eu me incluí

Sendo a primeira vez que acontecia comigo (e o primeiro assalto a gente nunca esquece), pude me sentir finalmente bem brasileiro ou, como se diz, mais brasileiro do que nunca. Fora incluído, tornara-me relevante, ao menos estatisticamente, e foi como bom brasileiro que esvaziei totalmente a minha carteira e em momento nenhum pensei na possibilidade de reagir.

Eram cinco jovens que dirigiam arbitrariamente a redistribuição. Três subiram armados na primeira parada do caminho e dois já viajavam no ônibus. Todos haviam comprado passagem, o que poderia depois talvez caracterizar o assalto como legítima defesa.

Um ser humano com uma arma na mão lembra como a humanidade é perigosa. Perigosa mesmo com uma caneta, como o presidente que decide decretalmente sobre a situação do homem do campo, ou sem nada, como o chefe de estado que anuncia a invasão de um país, apesar das brutais conseqüências que atingirão milhares de pessoas. Desses exemplos, portanto, o assaltante é o ser humano menos perigoso.

Não houve intimidações exageradas e não houve palavrões. Os assaltantes usaram uma linguagem respeitosa, tendo em vista as senhoras presentes, ou simplesmente eram de origem evangélica e aprenderam com os seus pastores os primeiros rudimentos da profissão.

Ainda assim, creio que uma maior gentileza no anúncio do assalto nunca seria demais. “Desculpem o transtorno” e “por favor, queiram esvaziar as carteiras” poderia diminuir ainda mais a tensão do momento.

Apesar de admitir e admirar a eficiência e eficácia da equipe reivindicatória, ainda acho que deveria haver mais critério na redistribuição. Talvez fosse a pressa (sempre inimiga da perfeição), mas faltou uma maior investigação sobre os rendimentos de cada passageiro para que cada um contribuísse com um percentual mais condizente.

Tenho dúvidas sobre o critério de que toda a renda da carteira de cada um deva ir apenas para os mesmos cinco assaltantes. Alguns dos passageiros, certamente, mereceriam também ser contemplados. Ainda sou daqueles que acham que todas as coisas, inclusive os assaltos, devam ser realizadas com ordem, vagar e critérios. Seria muito criativo o sorteio, por exemplo, de um dos celulares requisitados para benefício de um dos passageiros mais idosos.

De todo o modo, a redistribuição foi realizada sem muita complicação, sem nenhuma violência e logo acabou. Os assaltantes desceram e o ônibus, desviado deliberadamente de sua rota, ficou a vagar sem rumo dentro da cidade até encontrar uma delegacia para registrar a queixa.      

Precisando chegar cedo à minha cidade, desci antes do ônibus e liguei para um amigo que me levou ao Aeroporto. Comprei uma caríssima passagem de avião e achei o preço um assalto. Mas, como bom brasileiro, paguei novamente sem reagir.


(Esse texto foi escrito há quase dez anos depois de ter sofrido assalto em ônibus, o primeiro de alguns outros)

Um comentário:

  1. Marcos, você não existe, cara. Texto maravilhoso e muito bem humorado. Dá vontade de chorar e de chorar de rir também. Saudades.

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