Marcos Monteiro*
Com as melhores tiras conhecidas
e com as desconhecidas que virão, somos chamados a construir o novo ano. Porque
um ano é colcha de retalhos, porção grande de pano feita de pequenas porções,
costuradas em muitas tradições na festa barulhenta do mutirão. Um ano é tempo
suficiente costurado de tempos insuficientes, tempo demais feito de tempos de
menos, retalhos de tempo cerzidos e unidos pelos artesãos e artesãs que somos
nós.
A multiplicidade de texturas,
cores, motivos, produzem beleza em convergência e divergência, harmonia e
paradoxo, porque a vida só pode ser vivida como colcha de retalhos.
Começo a pensar a minha colcha de
retalhos, o meu 2012, e minha imaginação desenhou uma peça esplendorosa, com
todas as virtudes clássicas, justiça, temperança, prudência e coragem, e todas
as virtudes teologais, fé, amor e esperança, luminosos retalhos para um
luminoso tempo novo.
Essa grande coberta pode ser teto
de uma tenda, debaixo do qual dançamos todos uma ritmada ciranda. Construindo,
reconstruindo e desconstruindo o conhecimento, de mãos dadas com Morin,
redistribuindo o poder, talvez ao ritmo de uma cantiga de Foucault, celebrando
a alteridade com Lévinas, dançando e cantando as grandes canções dos grandes
momentos da história.
Entretanto, Nietzsche, Marx,
Freud e Sartre, começaram a puxar um samba dentro da ciranda e fomos obrigados
a repensar idéias, movimentos, estruturas e, desfazendo a roda da ilusão,
começar um novo cordão de esperança, evoluindo pelos caminhos que ninguém sabe
onde começam nem onde terminam.
Com os retalhos das crises e das
incertezas atuais, minha esperança foi obrigada a se encolher, e a tentar
caminhar com mais cuidado e mais objetividade. Pensei em Voltaire que, não
acreditando que vivamos no melhor dos mundos possíveis, ou seja, desconfiando
de Leibniz, faz Cândido responder ao filósofo Pangloss que ”precisamos cuidar
do nosso jardim”.
Mas pensei especialmente em Paulo
Freire e suas utopias comedidas, especialmente em seu livro “Pedagogia da
Esperança”, em que uma pessoa do povo diz que espera por um mundo “menos feio,
menos injusto, menos violento”.
Talvez só tenhamos disponíveis
esses retalhos, e isso nos basta por enquanto. Enquanto o mundo da igualdade,
da fraternidade e da liberdade não vem, podemos nos unir para construir um
mundo menos desigual, menos excludente e menos opressor.
Trocamos assim os retalhos do
“mais” pelos retalhos do “menos”. Diminuir o retalho da esperança talvez seja o
único modo de construir a colcha e de organizar o mutirão. A única maneira de
continuar lutando e esperando, esperando e lutando.
Feira de Santana, 31 janeiro de 2011.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do
Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica
Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526.
Quero entrar nessa construção, trazendo o lado feminino, bordando "com a agulha do real, nas mãos da fantasia" e no "zig-zag do tormento, as cores da alegrira, a curva generosa da compreensão". Muita esperança no ano novo de que iremos fazer essa maravilhosa cocha de retalho.
ResponderExcluirPartilhamos de preocupações muito parecidas, caro amigo e sempre inspirador, Marcos. A vida é mesmo uma colcha de retalhos, um emaranhado de paradoxos, uma apanhado de experiências belas e feias, harmônicas e conflitantes. E é simplesmente fascinante a perspectiva de viver a vida de Cristo no meio disso tudo, evitando simplismos e banalização.
ResponderExcluirAbraços saudosos!