Marcos Monteiro*
Há momentos em que gostaríamos mesmo era de falar de flores, ou “fazer um silêncio tão doente do vizinho reclamar” para não ter de comentar o horror do crime sem sentido, desapaixonado e desinteressado, em que a vítima pode ser qualquer pessoa. A violência desencadeada contra crianças e adolescentes em escola pública do Rio de Janeiro causou comoção e consternação geral. Doze adolescentes mortos (dez meninas) e doze feridos a bala é o resultado dessa macabra contabilidade.
O autor da tragédia, Wellington de Oliveira, 23 anos de idade, tem sido descrito como “estranho”, “pacato”, “tranqüilo”, “introvertido”, “psicopata”, “sociopata”, definições que nada definem nem resolvem a questão da violência em pauta, ou da violência latente em nossa humanidade e nas estruturas sociais. Seu último ato foi um tiro na própria cabeça, a essa altura já ferido por um policial que conseguiu chegar ao local do massacre.
A escola, como palco, e uma carta recheada de temas religiosos, que nada explica, mas que deixa instruções sobre o seu sepultamento, remetem-nos simbolicamente a duas de nossas grandes instituições, a educação e a religião, colocadas claramente sob suspeita.
A educação só faz sentido para que Auschwitz não se repita, insiste Theodor Adorno, e não temos como pensar que o genocídio nazista continua, de várias maneiras, até mesmo na escola, espaço maior do processo educativo. A religião nos ajuda a “desendoidecer”, nos diz Guimarães Rosa, pela boca de Riobaldo, o velho jagunço e seu entremear de recordações, e não conseguimos disfarçar a sensação de que a religião também ajuda as pessoas a “endoidar”.
O ser humano é um animal muito perigoso, capaz de uma violência refinada, fabricante e usuário de armas letais. Além disso é capaz também de fabricar idéias letais, para usá-las, se preciso for, forjando desculpas para que sua violência latente se torne eficaz. A racionalidade implícita nos atos humanos de violência e de horror já assustava Hannah Arendt ao tentar compreender o fenômeno incompreensível do genocídio nazista.
As razões do massacre na escola do Realengo nos deixam perplexos por não poderem ser explicadas nem pela paixão nem pelo interesse, esses dois grandes motivadores dos crimes do mundo. As três grandes barras porque se mata, como nos garante o sertanejo, barra de ouro, barra de terra ou barra de saia, não podem ser evocadas. A ausência de motivos aumenta a sensação de horror e o sentimento de insegurança diante da humanidade.
O ser humano é um animal muito perigoso. Os surtos de violência que eclodem em vários lugares, com motivo ou sem motivo, são parte de uma estrutura de violência que organiza a sociedade, com uma cultura de violência alimentada cotidianamente por uma simbologia presente em todas as nossas instituições. A violência simbólica, nos garante Bordieu, acrescenta mais violência a toda violência estrutural, social e humana. Educação e religião, por exemplo, são campos de reprodução que repetem e reforçam a violência estrutural.
Não é fácil deslindar a simbólica social para redesenhar o tecido que constitui a sociedade humana. A presidente Dilma chorou diante da tragédia e propôs um minuto de silêncio pelos brasileiros que interromperam tão cedo as suas vidas. Afirma que esse tipo de violência não pertence à nossa cultura brasileira. A frase, de uma candura política, tem implicações problemáticas. Quais são as nossas formas culturais de violência? Há escritório de patentes para a violência? Por isso, esse momento é de difícil elucidação e o melhor seria o silêncio ou o falar de flores, a la Chico Buarque e Bertold Brecht.
De todo o modo, somos todos responsáveis, educadores, religiosos e políticos, para encontrar caminhos para minimizar a força da violência que carregamos. Os meios de comunicação que divulgam constantemente detalhes da tragédia sobre o uso de armas, são os mesmos que no plebiscito sobre o desarmamento se colocaram nitidamente contra as medidas que dificultavam a aquisição e porte de armas de fogo para a população civil. Há uma contaminação evidente entre setores políticos, meios de comunicação e setores econômicos que mascaram todas as coisas. Examinar o jogo de interesses dos grandes fabricantes de armas não consola ninguém, mas pode dar algum significado a essas mortes sem sentido.
Nesses momentos de muita dor e muito choro, preferia estar em silêncio ou falando de flores, mas gostaria de lembrar que o ser humano é mais perigoso ainda com uma arma na mão.
Feira de Santana, 08 de abril de 2011.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
Nessas horas fico me perguntando sem obter nenhuma resposta... não vejo sentido na humanidade, no progresso, na ciência, na religião... um niilismo desesperador... Só vale mesmo continuar sonhando com um não-lugar para exorcizar de dentro de mim novas possibilidades de uma Aushwitz, uma Hiroshima ou de um Wellington de Oliveira ...
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