Marcos Monteiro*
A imagem de um tsunami arrastando prédios e carros gravou-se na retina da história, do mesmo modo que a explosão nuclear que praticamente destruiu a cidade de Hiroshima já estava gravada. Tudo isso no mesmo Japão de todos nós, no Japão que somos nós. Japão que nos leva a doer todas as dores possíveis para um ser humano. O cogumelo atômico tornou-se símbolo da capacidade auto-destrutiva da humanidade; a onda gigantesca tornou-se emblema da fúria e violência da natureza. A mãe natureza, acolhedora e pródiga, também se torna madrasta, maligna e insensível.
Percebida como um grande ser vivo, teoria gaia, a terra produz os meios de sustento e de preservação, através de processos auto-reguladores, micro e macrocóspicos. Todos os componentes desse grande eco-sistema, estariam a serviço do mesmo. Noções de territorialidade, espaço, historicidade, tempo, e especialmente auto-centralização seriam categorias que enquadram esse grande animal. Jeito de perceber bem próximo dos mitos e da filosofia grega, em seus modos diferentes de categorizar.
A fúria de Poseidon ameaça a civilização, transformando todo tipo de construção humana em brinquedo. O compromisso do mar é consigo mesmo, nenhuma compaixão para cidades ou nenhuma sensibilidade diante de um povo lutador e criativo, capaz de transformar limites em possibilidades. A mensagem é de que diante da natureza o ser humano precisa estar atento, desde que violência e destrutividade também são seus constituintes. A humanidade precisa cuidar de si, pois nem sempre pode dispor de uma certa benevolência por parte da natureza.
Na sucessão de tragédias, a ameaça de um acidente nuclear, exatamente na terra de Hiroshima. O domínio do núcleo atômico lembra que a humanidade conseguiu arrancar um dos mais preciosos segredos da natureza e domesticar a energia das estrelas. Entretanto, o preço parece ser alto demais: não é fácil encerrar os Titãs dentro de limites, questão que parece ser a questão.
Nos mitos gregos, os humanos deveriam respeitar limites, ou estariam sujeitos a terríveis castigos dos deuses. Prometeu é acorrentado ao rochedo no Cáucaso por roubar o segredo do fogo aos deuses. Ali uma águia lhe devora o fígado diariamente, tragicamente regenerado, flagelo interminável. Dor, culpa, sofrimento, morte, são limites humanos, segundo Jaspers, além do próprio fato de não se viver sem limites. Situada e limitada, a existência precisa aprender a se conhecer e se aceitar dentro de seus limites.
Usina nuclear em tempos e lugares de terremotos parece uma excessiva provocação. Mas existe tempo e lugar para a energia atômica? Cientistas sérios que defendem o seu uso, como o próprio James Lovelock, estão sendo convidados pelos acontecimentos a aprofundar o exame de suas convicções. Os combustíveis fósseis já nos trazem problemas demasiados, acrescentar riscos de radioatividade ao complexo energético do planeta parece-nos ultrapassagem exagerada de limites.
O maior limite humano, a morte, garante um tom trágico à nossa vida. Se ultrapassar esse limite é tema das religiões, procurando um evangelho da salvação, Edgar Morin nos propõe um outro evangelho, o “evangelho da perdição”. Se a vida é uma aventura limitada e a tragédia da morte nos espreita e nos aguarda, somos responsáveis por viver o melhor possível. Todos os acontecimentos recentes no Japão podem ser colocados nessa ótica. Diante das ameaças de tsunamis e hiroshimas, precisamos urgente aprender a cuidar de nosso planeta e de nossa humanidade.
Feira de Santana, 18 de março de 2011.
*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
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"Se a vida é uma aventura limitada e a tragédia da morte nos espreita e nos aguarda, somos responsáveis por viver o melhor possível". Obrigado, Marcos, por sempre me instigar nesse sentido, atual sentido da minha existência. Texto fantástico.
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