sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

UMA TEIMOSA BRASÍLIA

Marcos Monteiro*

O primeiro grande ato simbólico do governo Lula foi uma visita com seus ministros a favelas e lugares pobres, incluindo a famosa localidade chamada de Brasília Teimosa, em Recife, mistura de bairro e favela, com espaços onde a pobreza ainda era muito visível. O primeiro ato simbólico de Dilma foi a rápida visita à Argentina. Analisados, ambos revelam jeitos de ser e perspectivas no agir, realizáveis ou irrealizáveis.

O encontro na Argentina foi o encontro de duas mulheres presidentes, como a marcar a ascensão da mulher a cargos de altos níveis, o mais alto cargo político de cada nação. Lula e ministros se encontrando com a pobreza seria sinal de coroação de uma longa luta ao lado do povo e de que a história dos governos do Brasil mudava de lado.

Bem, o governo de Lula foi marcado pela grande popularidade, pela ascensão de uma grande parcela da população de classe social, mas não significou em nenhum momento um rompimento com um estilo e tradição de governo. Os ricos e poderosos deixaram de tremer e de temer a esquerda do Brasil, graças a “Lulinha paz e amor”. Em alguns momentos, o governo mediu forças com as organizações populares e ficou do lado do seu projeto desenvolvimentista que beneficiou os grandes grupos econômicos. As obras de transposição do Rio São Francisco foi um bom exemplo. Pouco diálogo e excesso de medidas administrativas enfrentaram todas as tentativas de alternativas ao projeto de aparente grande risco ambiental.

De todo o modo, o encontro entre a grande Brasília e a pequena Brasília Teimosa pode resumir o tom do governo Lula, teimosia de um governo em garantir governabilidade agradando grandes e pequenos.

Claro que o projeto é impossível, em uma sociedade de interesses. Mas des-interessar a sociedade, na busca da excelência ética, via Lévinas, também não parece ser viável, pelo menos pelas estradas históricas conhecidas até então.

O macro e o micro pertencem a perspectivas diferentes, são estabelecidas em lógicas desiguais, com diferentes formas de organização, que vão desde a distribuição e exercício de poder até a racionalização dos tempos e dos espaços disponíveis. A mesma vida se distende diante de seres humanos, sim, mas tão diferentes, gestos e jeitos parecidos e dessemelhantes ao mesmo tempo.

Lula tinha um pouco disso, em todos os seus acertos e equívocos. Parecia com Brasília e com Brasília Teimosa, ao mesmo tempo. Teimosamente quebrava protocolos como quem não distingue os ambientes. E conseguiu teimosamente ser aceito em ambos os lugares.

Estamos no início do novo governo e não sabemos qual exatamente será a sua tônica. Esperamos que os acertos sejam melhores que os desacertos, que todo mundo tem direito a desacertos, e a pessoa, o partido, a agremiação mais temível deve ser aquela que nunca erra. Parece-nos que Dilma é menos afeita aos holofotes e mais aos gabinetes. Não nos parece que popularidade será o forte do seu governo, nem creio que popularidade seja critério único ou maior de avaliação.

O gesto de Dilma apertando a mão da presidente da Argentina pode significar algo. Talvez a criatividade, a inventividade e a tenacidade, desenvolvidas pelas mulheres ao longo do percurso, nos convidem para esperanças. Talvez a grande Brasília, com Dilma, seja um degrau a mais de qualidade de vida para as pequenas Brasílias Teimosas.

Feira de Santana, 25 de fevereiro de 2011

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site http://www.cepesc.com/.

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