segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Jesus e Pedro comendo queijo

Quando Seu Madeira não conta histórias de futebol, conta histórias de Jesus e conta de um modo diferente de Mãe Silícia, que todo mundo tem seu próprio jeito de contar.

“Quando Nosso Senhor e São Pedro tavam caminhando pelas beiras de um açude – começa a dizer Seu Madeira – encontraram um roceiro que fazia queijo. Como Jesus tava com fome ele deu um queijo redondo, queijo coalho, a Jesus e Jesus mandou São Pedro levar.”

Essa imagem de Jesus caminhando pelas paisagens costumeiras do Nordeste sempre me sensibiliza. Jesus, tão estudado e tão elaborado pela teologia oficial, para o povo é esse nosso caboclo caminhante por aí, tão sertanejo como o sertão e a macambira de todos nós. Caboclo especial, cheio de sabedorias e capacidades, mas caboclo, nosso irmão mais velho, resgatando um tipo de espiritualidade que foi vivida nos inícios dos tempos históricos pelos primeiros seguidores de Jesus.

E Seu Madeira continua:

“Jesus ia na frente de passada espichada e São Pedro segue não segue naquele passo indo e vindo que nunca ia. E lá vai caminho e a fome vem e o queijo cheirando e as narinas acendendo e a barriga bulindo e São Pedro tira uma lasca do queijo com os dedos e Jesus grita: - Peedro! São Pedro corre todo encabulado e Jesus lhe pergunta: - Qual caminho, esse ou aquele lá? São Pedro responde aliviado: - Esse! E Jesus vai pelo outro, porque o Filho de Deus quando perguntava perguntava por perguntar que já sabia de tudo...”

“E os dois segue seguindo... Sempre Jesus na frente e Pedro acompanha não acompanha. Outra vez a fome aperta e os dois dedos de São Pedro,vai lá e tira outra lasca de queijo e Jesus de novo grita: - Peeedro! Pedro corre e Jesus pergunta, olhando pro céu: - È nuvem de chuva ou nuvem de sol? São Pedro responde com um suspiro de alívio: - É nuvem de sol. E Jesus corre pra se abrigar da tempestade que vem vindo...”

As peripécias da história de Seu Madeira seguem essa linha. Jesus na frente, Pedro tentando seguir, vindo a fome, Pedro a mão em um pedaço do queijo e Jesus sempre gritando o seu nome e perguntando alguma coisa diferente até chegarem ao destino. Nesse momento Jesus se senta, abençoa o pão que trazia no alforje e pergunta pelo queijo.

“São Pedro começa a chorar, cheio de vergonha, e diz que comeu o queijo pelo caminho e o pedaço que sobrou não cabe no buraco do dente”.

“Jesus olha pra Pedro e diz. Eu vi você comendo o queijo. Por que você pensa que eu lhe chamava sempre na hora que você tirava uma lasca? Mas como você não mentiu e disse que comeu o queijo quase todo pelo caminho, tá aqui o queijo que você comeu. E do tiquinho de queijo que sobrou, Jesus fez um queijo maior do que o de antes e os dois comeram até não poder mais”.

O que fazer com essa história? Mais uma dessas histórias de mexer com o pensamento da gente e de se divertir com o jeito de Seu Madeira. Jesus é o Filho de Deus que sabe de tudo, mas que não fica passando no rosto de ninguém o que sabe. Vê os desconcertos da gente e não fica dizendo toda hora que viu.

Porém, um belo dia, vamos ter que prestar conta do queijo que comemos. E aí o que Jesus faz? Segundo essa história, Jesus refaz o queijo e nos convida para dividir um queijo muito melhor.

Quais são os valores maiores para o povo que conta e reconta essas histórias e essa história especialmente? Em um certo sentido, podemos dizer que para o povo, fome é fome e o queijo deve ser de quem tem fome. Para esse mesmo povo, Jesus não pede contas de quem mata a fome, mesmo sem autorização do dono do queijo. Um queijo vale pela fome que se tem e a moral deve perguntar primeiro pela fome de quem sofre.

Mas talvez a coisa mais importante de todas na história seja a de que Jesus pergunta muito mais pela transparência, pela sinceridade, do que pelo comportamento de quem procura saciar a fome. De todo o modo, o final é espantoso. Aquele que faltou com Jesus é chamado para comer com ele. “Os que choram serão consolados” é a lembrança que vem dos evangelhos. E ainda tem mais: depois de tudo que Pedro fez, em uma caminhada que não tinha fim, o melhor queijo fechou a jornada, como a lembrar que no caminhar com Jesus sempre acontece coisas boas.

Um comentário:

  1. "O final é espantoso..." e eu diria: a graça é espantosa!
    Beijo em seu coração sensível!

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