terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Com o coração em dilúvio

Gn 7, 11-14

“No ano seiscentos da vida de Noé, aos dezessete dias do segundo mês, nesse dia romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as comportas dos céus se abriram, e houve copiosa chuva sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites.
Nesse mesmo dia entraram no barco Noé, seus filhos Sem, cão e Jafé, sua mulher e as mulheres de seus filhos; eles, e todos os animais segundo as suas espécies, todo gado segundo as suas espécies, todos os répteis que rastejam sobre a terra, segundo as suas espécies, todos os pássaros, e tudo o que tem asa.”

Toda criança ocidental foi formada ouvindo o Livro dos Princípios, o Gênesis. Por isso, em nossa imagética existe um lugar paradisíaco, por aí. Mas também catástrofes cósmicas, diluvianas, nos espreitam.

O céu pode se romper e inundar nossa história, a qualquer momento, então, precisaremos da barca de Deus para escapar.

Javé é um Deus paciente, encantador e encantado com a humanidade. Mas paciência tem limite e em seus momentos de irritação, a vontade mesmo era acabar com tudo e com todos.

Aliás, um dia fez isso mesmo, livrando somente Noé, sua família, seus animais e o seu ambiente particular.

Vagaram, Noé, família, animais, répteis, pássaros, pelo interminável mar do dilúvio, por entre os destroços do mundo e da vida liquefeita.

Quando tudo isso iria acabar? No vôo de corvos e no ramo de oliveira no bico de uma pomba, os sinais da esperança: ainda conjugaremos o amor no futuro do presente.

E um dia a terra secou e todos saíram do barco para reconstruir o mundo.

Os nossos dilúvios de cada dia são assim mesmo. Mistura de mares, barcos e destroços, sensação de tempo presente interminável, junto a pequenos sinais de futuro.

Viver dentro de um barco não é lá essas coisas, mas, às vezes, quando vida e coração se tornam líquidos, precisamos aprender a navegar, ao sabor das ondas e dos ventos, dentro dos barcos possíveis.

Aliás, parece que o desafio é maior ainda. É preciso aprender a paciência de construir o barco, na espera da tempestade.

Há um excesso no dilúvio. Água demais, tempo demais, dores demais. Há uma escassez no barco. Pouco espaço, pouca alegria, pouca esperança, pouco a se fazer, sensação de porta fechada por mãos invisíveis.

Quando as mãos de Javé abrem, de repente, a porta da barca, o tempo é de correr pelo chão lavado, aspirando cheiros e respirando brisas.

Também é preciso, de modo sagaz e verdadeiro, ao mesmo tempo, chamar Javé para a festa e, ao sabor de carne assada, rever cuidadosamente significados e ouvir promessas de perdão. E então, juntos construir um mundo novo.

4 comentários:

  1. Sempre bom vir aqui, Marcos. Fiquei com água na boca achando que vc chegaria na parte do vinho, mas até a carne assada já está de bom tamanho (rsrs). Saudades de você.

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  2. Incrível como vc tem o dom de resignificar os textos bíblicos. Este por exemplo, para mim hj soa como uma ficção, uma história infantil, e vc traz uma nova e significativa leitura.

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  3. Tucha, muito obrigado pelo seu comentário. Talvez eu faça assim mesmo... Leia muito do depósito da nossa tradição sagrada, assim como quem lê uma história para crianças... Como narrativa de mãe... Nessas horas, os barcos nos vem em dilúvios, e o Grande Pai (meio esquisitão, admito)fecha portas e abre portas... Um beijo.

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