sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

UM ANO MONTANHA ACIMA

Marcos Monteiro*


No rito de passagem da renovação da esperança de um novo ano, a lembrança da pedra que acabamos de rolar montanha acima. Espertos como Sísifo, não conseguiremos, igual ao herói mitológico, nos livrar da maldição do inútil recomeçar, sabendo que a pedra está sempre prestes a despencar. Amanhã recomeçamos a rolar a mesma pedra para o cume da mesma montanha impossível.

De todo o modo, na nossa coleção de anos, 2010 tem sido muito interessante. Marca especialmente o último ano de mandato do presidente-operário, surpreendendo-nos com a gestão de um governo mais bondoso para o capital do que para o trabalho. Como retribuição, um índice de popularidade recorde, demonstrando que o Deus-Capital é benévolo para com os seus fiéis, inclusive cuidando o melhor possível dos seus pobres.

A gestão bem humorada de Lula contrastou com a gestão de Dunga, por exemplo, que no comando da seleção brasileira de futebol, tão ou mais importante do que a presidência da república, se confundiu de anão e esteve muito mais para o Zangado. A seleção branca de neve, talvez por isso, jogou um futebol meio estressado, o que facilitou a sua desclassificação. Dilma Rousseff, primeira mulher presidente do Brasil, vem aí agora e estaremos diante de uma nova experiência de gestão. Se em termos de humor ela não é nenhum Lula, também não é Dunga, muito menos Branca de Neve. Portanto, vamos continuar a rolar a pedra.

O período de eleições, que parecia monótono, foi apimentado pela entrada dos religiosos. Católicos, protestantes e espíritas, trouxeram uma pauta de micro-ética para a campanha, tão espúria que muitas vezes parecia que não estávamos decidindo sobre os destinos de um estado laico, mas sobre as normas de conduta dos religiosos. O agravante é que as questões tão fortes, como sexualidade e aborto, foram debatidas na ambiência meio plebiscitária de uma campanha eleitoral, o que acarretou compromissos apressados e superficiais por parte dos candidatos.

Por esses processos, tivemos uma amostra do complicado mundo em que nos movimentamos. Nesse cenário, o Brasil esteve bem, com a esperança de se colocar futuramente ainda melhor. A estabilidade econômica ilumina o nosso palco, o que significa investimento internacional e a certeza incômoda de que a nossa alimentação (o pão nosso de cada dia), a nossa agenda imobiliária e o nosso futuro educacional estão ligados a essa expansão. Vestimos roupas de marca, comemos sanduíches de marca e consumiremos cada vez mais educação de marca.

De toda maneira, há avanços na educação. Por um lado, um deputado federal analfabeto funcional é representante legítimo dos 75% de analfabetos funcionais brasileiros propostos pela pesquisa Ibope. Por outro, há mais vagas e acesso ao ensino superior do que nunca. Em pequenas cidades do interior, há jovens felizes com a oportunidade de freqüentar faculdades, muitas vezes em sistema de EAD.

Mais reservas petrolíferas, melhor distribuição de renda, mais chances de aquisição da casa própria e do carro (impróprio?), um pequeno crescimento no IDH, a luta por melhores índices de educação básica, são sinais promissores para esse ano tão próximo. Por tudo isso, vamos todos nós, mais uma vez rolar pacientemente a pedra de 2011 montanha acima, com toda esperança de um feliz ano novo.

Feira de Santana, 31 de dezembro de 2010.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.

2 comentários:

  1. Marcos, sem dúvida alguma, ver a vida assim como você propõe, tendo a esperança como "princípio hermenêutico", torna tudo mais leve, até a pedra de Sísifo. Ótimo 2011 pra ti meu mano. Inté !!!

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  2. Olá Marcos,
    Feliz 2011!
    Realmente, a possibilidade de recomeçar rolando a pedra, como você está pontuando tão bem nesse editorial, será outra vez o princípio do desafio e da confrontação de cada um de nós, a cada dia com o conjuto de ações e situações políticas, diversas e heterogênaos e hierarquizadas, que o Sistema Social das instituições governamentais e também do Estado e suas condensações de forças, irá nos impor, como sempre o faz nesse país. Já é praxe isso. Na questão do excercicio da política governamental e partidária, vamos sempre a deriva... Então eu pergunto será que uma nova cultura política irá se estabelecer em 2011, ou, a velha cultura irá se travestir outra vez da nova? Bem, comecemos a rolar outra vez essa pedra, quem sabe desta vez conseguiremos chegar com ela no cume da montanha, e muito felizes, não é mesmo? Nessa vida, meu caro amigo filósofo, tudo é um perene vir a ser...

    Abraço muito grande pra vc, e uma alegria enorme ao lhe encontrar no blog. Li seu recado e fiquei contente.

    mirafialho

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