Seu Madeira, historiador de futebol, fanático, conhecedor das histórias antigas do time do Maravila F. C, o melhor time de futebol de todos os tempos, com aquela escalação que todo mundo na Vila sabe recitar de cor e salteado, Terêncio, Biuzão e Magela, Loureiro e Genival, Rubenírio e Aratunga, Roído, Rapaz, Biu do Efeito e Caçula, sabe explicar muito bem a sua situação civil: casado, de papel passado e tudo. E o casamento, como não poderia deixar de ser, pertence àqueles momentos extraordinários da extraordinária Vila e é, surpreendentemente uma historinha de futebol, com final feliz, nos garante o próprio Seu Madeira.
Pois bem, Vera Lúcia Matidiani era loura e muito bela. Mas, apesar do sobrenome assim meio italiano (ou quem sabe, por causa do mesmo e decepções antigas) não gostava de futebol. Aliás, detestava. Seu Madeira, apaixonado, fingia que não ligava e fingia que obedecia quando a belíssima mulher lhe proibia de assistir a algum jogo agendado ou combinado com o pessoal. Quando descobria depois que fora ludibriada, vocês podem imaginar as complicações, cenas, rogos e promessas. Dessas promessas que a gente faz logo para logo evitar o conflito e para logo descumprir. O namoro dos dois, portanto, era uma sucessão de cenas e de promessas descumpridas, porque vamos e venhamos, são pouquíssimos homens nesse nosso amado Brasil capazes de cumprir promessas dessas absurdas de faltar jogo de futebol, por motivo qualquer ou por qualquer motivo.
Mas, amor é amor, e o casamento foi marcado, depois de longas e lacrimosas discussões. Marcado para quatro horas da tarde de domingo (quem já viu, casamento às quatro da tarde de domingo, horário reservado para o nosso futebol de toda semana?) e não de um domingo qualquer. Nessa tarde, o Maravila decidia com o Ipiranga o título do ano. O Maravila jogava em casa e pelo empate, tudo bem, favas contadas, mas era jogo de decisão e era dia de casamento. Infelizmente, ninguém muda calendário de futebol por causa de casamento e Vera Lúcia dizia que não podia marcar nem outro horário nem outro dia e os argumentos, mesmo complicados, eram viáveis. Envolviam família, irmão que viria do exterior e que precisava pegar avião no mesmo dia e coisas do gênero. Seu Madeira teve de se preparar para o casório nesse malfadado dia. E se preparou.
Às quatro horas da tarde do dia azado, estava todo pronto de paletó e gravata, ansioso para dizer o sim para a noiva, mas um pouco mais ansioso pela impossibilidade de assistir a essa partida decisiva e resolveu dar uma passada de leve pelo campo. Afinal, noivas sempre se atrasam e dava tempo certamente de dar uma ligeira olhada nas jogadas de Biu de Efeito e nas presepadas de Roído.
No campo, os amigos lhes davam parabéns pelo casamento que não iriam assistir (por causa do jogo, claro) e ele ficou um pouquinho, vendo os lances. Não foi culpa sua, garante, o caso é que o time nesse dia estava demais e ele foi ficando mais um pouco. Ainda ensaiou uma saída no fim do primeiro tempo, mas o Ipiranga havia conseguido meter um gol em Terêncio, e ele foi ficando, vendo a reação. E que reação. Inesquecível, garante. Nesse dia, Biu do Efeito fez um gol de calcanhar, quase do meio campo, e havia tanto efeito na bola que o goleiro se contorceu para um lado e para o outro, todo desconchavado, antes de levar o gol por debaixo das pernas. Roído fez um gol driblando todo o mundo, levantou a bola na linha do gol, se virou e fez o gol de costas. E mais coisas assim.
O certo é que no dia do seu casamento, Seu Madeira assistiu a final do campeonato em que o Maravila virou um dois a um inesquecível para cima do frustrado rival. E ficou mais um tempo para comemorar com a turma. Não podia ser de outra forma e por isso se atrasou um pouquinho para a cerimônia. Chegou quase oito horas da noite e não havia mais padrinhos, nem noiva, nem parentes, nem convidados, somente o padre com uma cara de poucos amigos, esquecido dos votos e promessas de santidade.
Seu Madeira sentou-se na Igreja vazia e pensou, pensou, até tomar uma decisão. Garante que a decisão foi sóbria, apesar da cachaça que tomara tanto para enfrentar o casório quanto para comemorar o título. Correu e juntou o time do Maravila e o técnico Aroeira na Igreja vazia e tanto insistiu que o padre, ainda hoje não se sabe porque, casou o historiador popular com o time do Maravila F.C, simbolicamente representado pelos jogadores e técnico, em clima de farra. O que Seu Madeira garante é que no outro dia registrou o feito em cartório e lavrou certidão. Portanto, o cidadão conhecido por Seu Madeira é casado até hoje com o time de futebol Maravila F. C., na igreja e no cartório.
Vera Lúcia desapareceu da Vila e da vida de Seu Madeira que teve várias companheiras. Com D. Maria da Glória vive há mais de trinta anos. Mas qualquer mulher que entrou na sua vida, sempre soube que Seu Madeira é um homem casado e fiel. Seu compromisso permanente é com o time de futebol Maravila F. C. Com esse vive uma história constante e durável, com os seus altos e baixos, claro. Mas o casamento lhe trouxe, sempre afirma, muita, muita alegria, no meio de algumas tristezas, e estará casado até que a morte os separem.
Boa, mestre Monteiro! A vila Maravila continua sendo meu observatório. Quando passeio pelas ruas da vila, vejo boa gente, vejo gente de todo tipo. Mais que isso, vejo o retrato, o estereótipo do bom brasileiro, o intrínseco de suas manias e sua visão para o hoje.
ResponderExcluirE quando a galera do Vila Maravila perder o bolsa família, será que vai continuar a assistir alegremente os jogos do Maravila F.C?