sábado, 2 de outubro de 2010

Quando as flores se encontram

Maria das Flores gostava de se apresentar e gostava de brincar e se apresentava com a flor que queria: – “Prazer... Maria Açucena – porque sendo das flores seria de todas e poderia escolher a flor da vez: - “Prazer... Maria Miosótis – conhecedora de flores por destino de nome e por pulsão de brincar sempre, especialmente com o coração dos homens, em legítima defesa, dizia às gargalhadas.

Algumas brincadeiras foram consideradas de mau gosto, mas perdoadas, coisas de beleza de mulher que faz feridas cicatrizar e feridos perdoar mais fácil. Já beijara a boca de toda a turma, mesmo arriscando a desarrumar sentimentos ou causar ciúmes, distribuindo mal-estares masculinos e femininos, mal ou bem desmanchados por sorrisos brejeiros e encantadores, mas sem nenhuma sombra de desculpas. – “Pesquisa de hálitos, – comentava irreverente – consultoria para creme dental”.

O pessoal se acostumou e a presença e participação de Das Flores nas rodas de conversa acrescentava coloridos hilariantes inesperados, frutos de uma irreverência descontrolada, a serviço de nada ou de ninguém, alegria pela alegria, criatividade desvinculada de ideologia ou de moral. Maria das Flores era a própria personificação da alegria autônoma, escrachada, politicamente incorreta, obrigando a vida a sorrir da vida e o sofrimento a gargalhar de dor.

Suas flores viviam marcando encontros românticos em lugares como jardins, beira-mar, cinemas e motéis, somente para, observando de longe os apaixonados, ficar arreliando depois, descrevendo trejeitos e suspiros, deleite de ouvintes e desconsolo da vítima, às vezes presente.

Foi quando João apareceu que a vida é assim: os joãos comparecem, sem ser chamados, irreverendo a irreverência e desequilibrando o desequilíbrio.

– “Prazer... Maria Orquídea.”

– “Prazer... João Crisântemo.” Porque se chamando João das Flores, podia escolher a flor para cada ocasião.

Um instante de silêncio, gargalhada uníssona e o rubor e desconcerto de Maria das Flores que sabendo de si desconfiou do outro. É não é, nome certo nome errado, brincadeira verdade, discussão que não se termina, mas Gerlúcido sabia que semblante desconcertado e ruborizado era caminho inevitável para o passeio da paixão.

Na sua mania de investigador, descobriu que João das Flores era nome próprio registrado em cartório, mas nome mudado. Antes era Belarmino da Fonseca, mas depois de marcar encontro com Maria das Flores e receber logro e caçoadas, estabeleceu um longo, complicado, mas eficiente projeto de conquista da nunca conquistada Maria de tantas flores. O primeiro passo fora dado e Gerlúcido, prometendo segredo, prometeu ajudar, o que faz com indisfarçável prazer.

Bem, a coisa toda está em andamento, e o namoro, se é que se pode chamar de namoro esse incêndio amazônico alimentado pelo oxigênio da própria respiração, vai adiantado.

A ironia de tudo isso é que o projeto de João das Flores, antigo Belarmino, era projeto de vingança, mas tão adiada que pode morrer de velha e um dia desses Gerlúcido e a turma pode se encontrar em uma igreja qualquer para assistir ao casamento de João do Cravo e Maria da Rosa, celebrado por padre ou pastor falando sobre jardins de amor e pronunciando alguma adequada bênção, tal como: “Até que as pragas os separem...”.

Um comentário:

  1. Que os flores desfrutem as delícias e dores do amor, com mtas cores...

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