Alguns nós de nossa herança teológica precisam ser desatados para que possamos estabelecer diálogo com outras religiões, lembrando que no Brasil o diálogo pertinente só se estabelece com as religiões de matriz africana. Nossas diferenças e semelhanças com os grandes sistemas religiosos da humanidade são interessantes objetos de estudo, mas a religiosidade que nos toca de perto e diante da qual precisamos nos posicionar é exatamente a que resultou da força escrava entre nós dos negros africanos.
Diálogo pressupõe entendimento e compreensão mútuos, não significando necessariamente descarte de identidade. Pelo contrário, a alteridade é necessidade inconteste da identidade. Vamos nos construindo sob o olhar do outro, encarando e sendo encarados, em espaços mais fluidos do que supunha nossa sistematização modernizante.
No Brasil, a questão hermenêutica se estabelece como nó básico e nó górdio, duplo desafio de entendimento para os caminhos de aproximação entre vivências religiosas que se supõem absolutamente divergentes. O que fazer com nossos textos sagrados, ou a questão da Bíblia, tem se tornado cada vez mais questão prioritária, merecendo investigação, discussão, estudo e proposição para que mantenhamos o encantamento dos textos, mas também para que eles não fechem caminhos para as questões mais urgentes de nossa época.
Historicamente o protestantismo aconteceu como processo de enfrentamento do dogmatismo da igreja medieval. A solução, de natureza provisória, foi transferir todo o dogmatismo para as Escrituras Sagradas. Desse modo, a Bíblia tornou-se um voraz buraco negro capaz de ir aprisionando toda a vida do Universo, lugar obscuro do qual nenhuma luz podia escapar. O fundamentalismo encontra sua lógica não somente em um literalismo redutor, mas também nesse movimento de captura da vida pelos textos. Toda a vida foi cercada pelas capas da Bíblia, sendo contida por uma pequena biblioteca de sessenta e seis livros, de natureza diversa, mas obrigada a encerrar toda a diversidade possível.
Portanto, o problema hermenêutico não se resume na questão de interpretação da Bíblia, o problema é a própria Bíblia. Na busca de compreensão da vivência cristã das primeiras comunidades, as representações foram surgindo em sua tentativa de aproximação com a realidade vivida. A presença do feminino no sagrado, por exemplo, pode ter acrescentado gradativamente uma quarta pessoa à trindade, essa complexa tentativa de representação da experiência. A Virgem Maria, portanto, teria completado a idéia junguiana de quaternidade. Na ruptura protestante, a Bíblia foi se tornando essa quarta pessoa da trindade, alternativa protestante que trouxe diferentes problemas à teologia cristã.
A tarefa é difícil, mas é urgente. A teologia precisa devolver a luminosidade da Bíblia e isso passa pelo esforço de libertar a luz aprisionada gradativamente por essa força dogmática que engessa a vida. A vida tem as suas próprias estratégias de escape às reduções e aprisionamentos. Cada vez mais o diálogo entre protestantismo e candomblé, por exemplo, acontece na prática cotidiana dos fiéis. Podemos fechar os olhos, condenar e rejeitar a tarefa que nos aguarda, ou seguir em frente, atentos aos desafios, sempre prontos para os novos aprendizados.
Ei Marcos, estou por aqui, parabens pela otima apresentacao do seu blog.
ResponderExcluirExcelente texto (como sempre). Ele poderia tambem ser intitulado de "Varrendo a Poeira do Tempo" ...de cima da Biblia.
Walter Macedo
Ah...Ah... Lhe encontrei, finalmente... Se você prestar atenção você foi um dos primeiros a dar pitaco sobre as minhas crônicas do Vila Maravila, o que foi muito bom para mim... Um grande abraço.
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