terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um negro no lugar errado e na hora errada





Mc 15,2

E obrigaram a Simão Cireneu que passava, vindo do campo, pai de Alexandre e de Rufo, a carregar-lhe a cruz.





Como pode caber tanta coisa em um texto tão pequeno?

Texto banal que descreve cena banal: um negro que vai passando é obrigado por um soldado romano a carregar a cruz de um condenado que já não agüenta mais. Pessoa errada no lugar errado na hora errada, descrição que pode servir para o cotidiano de qualquer negro de hoje.

Simão é de Cirene, África, e está em Jerusalém, portanto é sem-pátria; vem do campo para a cidade, portanto é sem-terra.

Afro-agricultor perambulante, vítima de mais esta opressão, torna-se protagonista de curiosas inversões. Jesus havia desafiado seus seguidores a levarem a própria cruz, mas naquele momento não conseguia levar sozinho a sua. O negro Simão leva a cruz de Jesus: torna-se o salvador do Salvador, mesmo que sob chicote. Às vezes, precisamos de ajuda para carregar nossa cruz.

Lembrado como o pai de Alexandre e Rufo, com toda a certeza faz parte da comunidade de seguidores de Jesus. Simão entrara à força no cenário da crucificação, mas resolve voluntariamente não mais abandonar esse espaço simbólico. Recebera a cruz como oprimido carrega agora como libertado.

No evangelho de Marcos, a cruz é hora e lugar de ressignificações. Na cruz, o corpo vence a máquina, o indivíduo vence o Estado, o amor vence a opressão, a vida vence a morte. Nas proximidades da cruz, as mulheres recebem nomes próprios (Mc 15,40) e o negro Simão, depois um dos líderes de comunidade (At 13,1), torna-se consolador de Jesus.

Transformando preconceito e opressão em oportunidade e graça, o modo misterioso como Deus age pode tornar a hora e o lugar errados na melhor coisa do mundo.

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