sábado, 14 de agosto de 2010

Bom dia, texto




Bom dia, texto.

Luminoso e de bem com a vida. Parabéns, noite bem dormida, sonhos de criança e esse distruibuir-se em frases espreguiçadas. Hora das construções lineares, das claras metáforas e dos rápidos passeios pelos aforismos e frases quase feitas. Respeito ao começo, meio e fim, de todas as construções. Hora do sol orientar a nossa ocidental civilização.

Boa tarde, texto.

Atraso não é catástrofe, nem motivo para mau humor. Disfarce as olheiras e procure ao redor que os conectivos estão no ar, mesmo às quatro horas da tarde, mesmo se tarde entardece a gente. Texto assim resmungado, cansado de textuar, caminhando aos tropeções, linguagem que se engasga de boca cheia, superlativos insinuados, cuspidos entredentes depois de mastigados ruidosamente. Mas ainda há tempo para caminhar, não precisa pressa nem impaciência e não vale abusar da brusquidão do dizer. Não precisa se jogar infeliz sobre as costas da pobre humanidade. Ela dispensa as suas invectivas e diatribes cáusticas.

Boa noite, texto.

Cabem agora as análises complexas e as esdrúxulas construções. Pode usar o resto de gás para desconstruir e construir, dizer e desdizer. Se a coruja de Minerva alça vôo ao anoitecer, o cansaço do dia pode iluminar percepções e é a única hora em que ontologia e linguagem se entendem. Ensombrecer a face e enrugar a testa de cada expressão e de cada impressão, espremendo o corpo do texto para que ceda as relutantes gotas de uma sabedoria pessimista.

De novo, texto?

Sabe que horas são? Não, não, as madrugadas são para o repouso e para os sonhos delirantes. Tenho direito ao sono e ao silêncio, pelo menos às três da manhã. Há vida inteligente fora do texto?



3 comentários:

  1. Agora que haja palavras entre os homens. E que sejam publicadas e lidas. E que Marcos Monteiro seja dentre eles o maestro dos textos. E assim se fez. E todo o texto que se produzia era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: foi o oitavo dia.

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  2. Escrever - exercício cavado na alma - exige urgência diuturna: não tem muito esse negócio de hora marcada. É que espontaneidade faz bem à arte...

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  3. Verdade, Weslley, essa mania minha de escrever me faz, às vezes, me sentir funcionário do texto. Meio burocrata... quando o texto não vem fico me sentindo matando expediente... Um abraço.

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