sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ética, política e outras coisas



Marcos Monteiro*


“Sociedade política” e “sociedade civil” são categorias que não dão conta da análise do todo social. Existem ainda a contravenção organizada e a massa desorganizada, em um cotidiano complexo e cheio de lances surpreendentes, onde caos e cosmos se remetem e se revertem.

E, como dizia Pascal e repete Edgar Morin por todos os lados, todas as coisas são causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas e estão ligadas por vínculos sensíveis e imateriais. Por isso, temos de falar das partes e do todo e do todo e das partes como integrantes do mesmíssimo sistema, implicando-se mutuamente.

Se a sociedade, como um todo, precisa de uma ética, todas as partes jogam o jogo político com maior ou menor habilidade. A ética, segundo Kant, se constitui como o reino dos fins e a humanidade nossa ou do outro, será sempre fim, jamais um meio, de forma imperativa e categórica.

Na política isso é impossível: todas as coisas são meios e a humanidade é o meio maior. Na política não existe imperativo categórico, somente a máxima meio mínima: “os meios justificam os meios”.

Por tudo isso, é preciso assistir ao jogo eleitoral como parte do jogo político, admitindo que a sociedade democrática não é tão democrática assim, lembrando que até na sociedade de iguais de George Orwell alguns se consideram mais iguais do que outros, requisitando privilégios especiais.

A rede de poder que se estabelece enquanto todo social seria mais bem definida como policêntrica e policrática, carregando uma tendência ao autoritarismo disfarçada por discursos e convenções sociais que nos remetem a uma harmonia e liberdade impossíveis de ser sustentadas.

As assimetrias das relações se espalham em todas as direções, brancos e negros, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, ricos e pobres, diplomados e desescolarizados, desequilíbrio dado, cuja força de conformação coloca obstáculos no trânsito das desejáveis transformações.

Na formação de nossa personalidade, fomos eleitores de candidato único, um superego autocrático, representante dessa sociedade repressora e excludente, gestor de sanções sociais de formas variadas, apoiado por um discurso que tem no sagrado o seu maior propagandista. Isso faz com que na busca de uma sociedade mais democrática, sejamos o nosso maior opositor.

Toda essa configuração nos chama a uma tarefa coletiva e cotidiana de lutas, sem ilusões ou ingenuidades. Construir a sociedade ética, o reino dos fins, não se faz fora do embate político, o jogo dos meios. Este é o paradoxo que precisa ser resolvido e superado.

Salvador, 13 de agosto de 2010.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também é coordenador do Portal da Vida e faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055. Veja esse texto também nos blogs www.informativo-portal.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário