Páginas

segunda-feira, 27 de julho de 2020

UM PEQUENO INTERVALO NA ERA DO CORONAVÍRUS


Marcos Monteiro

Desses momentos em que chorar e orar se tornam sinônimos da minha impotência e recolho pequenas alegrias, como o sorriso da minha filha e o conforto do café quente deslizando pela garganta.

Enquanto lavo pratos, o dia se aproxima em silêncio passado e silêncio futuro, nomes próprios e substantivos comuns, fruição e responsabilidade, lembranças e expectativas.

Venho para o computador e o tempo escorre pelos meus dedos para um teclado que já foi coisa externa, mas se tornou ao longo da vida órgão do meu corpo, surpresas da amizade.

Quando a pandemia chegou,”amor e dor” foi cada vez mais se estabelecendo como rima, mesmo proibida pela canção, até porque recordar, saber e cuidar é vício da humanidade.

E eu lembro do romance de Camus, “A peste”, e sei que quando os ratos saem dos seus esconderijos e revelam doença e morte, precisamos decidir diante dos chamados escancarados, qual a nossa vocação, ou santos, ou humanos, ou médicos.

Sem saber o que fazer, diante das múltiplas encruzilhadas, no meu espaço cenobítico em monasticismo involuntário, na Era do Coronavírus, na Idade do Bolsonauro, simplesmente escrevo.

Recife, 27 de julho de 2020

3 comentários:

  1. E faz muito bem! Quem tem o dom de traduzir o meu pensamento e expô-lo assim tão bem,ou é profeta ou bruxo,mas, não sendo um dos dois,é um iluminado! Obrigada por nos alimentar com bons textos nessa terrível era de Coronavírus!

    ResponderExcluir
  2. Essas pequenas fagulhas de sabedoria são um privilégio de quem tem acesso à intimidade e à própria sabedoria dos deuses mesmo no epicentro da pandemia! Coisa raríssima nos dias atuais!

    ResponderExcluir
  3. Obrigada por nós presentear com um texto que traduz nossa inquietação.

    ResponderExcluir