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domingo, 16 de agosto de 2020

MINHA IRMÃ ÁUREA MARTA: ENTRE DOCES E TAMANCOS



 

Marcos Monteiro

Áurea

Você tem o direito de comer todos os doces do mundo sem levar nenhuma tamancada no seu aniversário.

Eu me preparei para escrever um texto neste dia e achei que seria fácil. Mas não foi não. Acordei cedo e fiquei percorrendo lembranças, procurando um fio para pendurá-las no varal e com o mesmo amarrar o seu presente.

Claro que lembrei de você pequenininha, percorrendo a vizinhança, recolhendo guloseimas. “Dona Mercedes, tem bananada? Dona Luzinda, tem biscoito? Seu Dioclécio tem cocada?” Imagino a expectativa de cada, sorriso deslumbrado guardado no bolso para a sua aparição. Mas em casa, uma mãe aflita lhe esperava de tamanco na mão. Naqueles tempos a pedagogia do tamanco já havia sido abolida na escola como absurdo dos absurdos, mas ainda era usada em casa quando uma mãe não sabia o que fazer da filha fujona.

       

Você não ligava. Achava, inocente, que doces e tamancos eram parte da vida. Em casa, seus pequeninos pés viviam calçando os tamancões da mãe amada, mas todo dia fugia de novo pelos caminhos dos doces. Mamãe, um dia teve uma grande ideia (mãe sempre tem grandes ideias) e lhe deu de presente de aniversário um tamanco grande que engolia seus pés e você fugiu toda orgulhosa pela vizinhança de doces.

Quando seu Dioclécio, que era marceneiro, foi buscar o seu doce, olhou pros seus pés e comentou: “Quem fez essa maldade com essa criança?” E cortou o excesso, presente de aniversário desses de colocar gosto ruim em cocada.

Pois bem, nessa história de fugir, um dia você foi parar longe, não sei direito como. De Boquim, interiorzinho de Sergipe, para a cidade grande de Natal, no Rio Grande do Norte, eram muitas léguas para pouco tamanco, mas um ano depois você voltou. E nos seus oito anos de idade não era mais criança, eu via uma adolescente deslumbrante, bela, e me senti tímido como um matuto diante de uma moça da capital e estava doido pra me “amostrar”. Se eu pudesse, dava todos os doces da casa pra você.

Amo muito você, minha irmã, e fomos muito companheiros de infância e adolescência. Já jovem, em novo descuido de mamãe, você fugiu para São Paulo e trouxe de lá um doce do tamanho de um marido. Nosso primo, Beg, apaixonado, se instalou dentro de casa. Mamãe não gostou muito, mas não usava mais tamanco. Beg, meio artista da vida, virou trabalhador braçal, primeiro, depois fez cursos e concursos até se tornar funcionário público. Hoje, aposentado, é o doce à sua disposição dentro de casa. Como lembrança indiscreta, a música preferida de Beg, naqueles tempos foi “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Coisas dessa relação histórica com sogra. Fico aqui pensando que ele merecia tamancadas. Mas foi com ele que vocês prepararam filhos, netos e netas doces.

Lembrei de tanta coisa mais. De sua facilidade de aprender, de sua criatividade insuperável e da sua vocação para liderar. Sempre administradora, dessas com tanta capacidade que tem de controlar o jeito para não humilhar ninguém. Nunca é fácil.

Mas fiquei meditando, como religioso incorrigível que sou, que a graça do Pai, de Jesus e da Ruah Divina, esse trio ternura de nossa herança cristã, têm sido o seu pote de doces de reserva quando os tamancos da vida lhe ameaçam ou quando querem diminuir o tamanho do conforto dos seus grandes tamancos.

                    

O meu desejo é de que essa graça venha imensamente sobre o seu aniversário e lhe empanturre de doces e que você desfile orgulhosa calçando tamancos do tamanho da esperança.

Recife, 15 de agosto de 2020.

2 comentários:

  1. Que coisa bonita! O retrato de uma menininha que um dia conheci pintado pelo bico da pena do meu filósofo e teólogo preferido! Querida Áurea, que Deus faca justiça e lhe dê tudo que Marcos lhe mandou em dobro! Beijos menininha! Grande niver!!!!

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  2. Marcos, imagens lindas da força da Áurea e do cuidado do Pai na vida dela. Parabéns aos dois!!!!

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