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Marcos Monteiro*
Encerradas as dramatizações chamadas de "Mensalão” e de “Lava-jato”,
começa mais uma novela de horário nobre, “Impeachment de Dilma”, transmitida em
rede nacional de rádio e televisão, reprisada e comentada vinte e quatro horas
por dia, com picos e recuos de audiência (tem horas que ninguém aguenta mais) e
sem data marcada para terminar. Os autores são anônimos, mas todo mundo sabe
quem, e os atores são conhecidos de outros cenários e somados aos estreantes de
plantão. Espaço para vários gêneros, a novela carrega drama, tragédia, comédia,
suspense, terror, chanchada, pastelão, farsa e especialmente “non-sense”.
De modo surreal, o processo de impeachment foi deflagrado
por um deputado com denúncias internacionais de corrupção contra uma mulher,
presidenta, não acusada de nenhum crime. Um senador com indícios de tráfico de
influência e de recebimento de propinas foi preso teatralmente, grande clímax
da novela, mas o deputado com provas mais contundentes continua solto e ainda
mais, comandando a câmara de deputados em Brasília. Uma comissão de ética com
muito deputado com julgamentos em tramitações deve se reunir algum dia para decidir
se inicia ou não o processo de cassação desse poderoso parlamentar.
Mais do que pauta, a ética também surrealmente é a grande
fachada para todo tipo de atitude imoral e criminosa e a pose de grande
estadista que políticos precisam assumir, de olho nos índices de popularidade,
é desafio teatral que poucos conseguem e o cordão dos canastrões cada vez
aumenta mais.
Toda novela que se preza tem de ter humor e o núcleo
principal tem nos telejornais a sua fonte favorita. Os jornalistas são
comediantes dos melhores (todo comediante precisa contar a piada de modo sério)
e conseguem me levar às gargalhadas com as sutilezas ridículas que divulgam. Os
bordões são inúmeros e repetidos o tempo todo, tipo “O Brasil está na maior
crise de todos os tempos”, “este é o maior escândalo da história” e o principal
“a culpa é da Dilma”. Dilma leva a culpa da picaretagem do congresso, da
falência da democracia representativa, das manobras subterrâneas contra o
crescimento do país e até dos atentados em Paris. Como muita gente não consegue
perceber o fino humor por traz dessas declarações, a população às vezes leva a
sério piada de jornalista.
Sei que piada não se discute, mas somente para demonstrar
uma delas, muito difundida. “O Brasil está na pior crise de sua história”.
Entretanto, tem as maiores reservas cambiais, a menor desigualdade social, o
maior salário mínimo, o maior investimento em ensino superior e técnico, o mais
avançado sistema de direitos da sua história. Só não consigo rir mais da piada
porque reconheço que a trama da novela é bem urdida e os autores são
experientes no ramo da ficção, especialmente na produção de terror.
Há algumas cenas que não consigo decifrar. Depois de um
documento feito por um partido da base do governo com um projeto de um Brasil
do futuro bem parecido com uma catástrofe do passado, totalmente diverso do que
o propugnado pelo governo, o grande aliado escreve uma carta logo depois de
deflagrado o processo de impeachment. Carta corajosa de apoio à aliada? Não!
Missiva chorosa e resmungona que cheira a oportunismo, arenga de menino pequeno
com medo de desmame e de olho em outras tetas. Isso é comédia ou tragédia? Chanchada
ou terror?
Decerto, o último capítulo da
novela já foi escrito e está no enredo desenvolvido pelos autores. O fim
previsto é o impeachment da presidenta, com motivo ou sem motivo, e será a
primeira em que os vilões sairão vitoriosos. Mas já houve outras soluções precedentes.
Novelas tiveram que mudar o final por pressões éticas e por pressão popular. Há
sinais de crescente resistência e de mobilizações da sociedade civil contra
esse tipo de final imoral. De todo modo, precisamos aguardar os próximos
episódios.
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