Marcos Monteiro*
Participei de outras eleições
presidenciais com mais empolgação. Nessa, entre outras coisas, quem somos e
quem elegemos nos convidam a uma série de reflexões. Somos uma sociedade
democrática em um processo de escolha transparente de candidatos que teremos o
privilégio de escolher, especialmente a dirigente máxima dos destinos de nosso
país, o que configura o maior momento de nossa cidadania responsável. Essa
afirmação, tão evidente nas nossas falas, está permeada de dubiedades e de problemas
escamoteados pelo jogo em que se constitui o processo eleitoral.
Não é necessária uma análise mais
profunda para desconstruirmos todo esse discurso. Não somos uma sociedade tão
democrática, o processo de eleição é muito pouco transparente, não temos tanto
direito assim de escolha, portanto não seria o eleitoral o momento máximo de
exercício de cidadania. Somos uma sociedade heterogênea, poliárquica, amorfa,
despolitizada, mesmo quando estamos em movimentos de rua. E o modo como a
estrutura econômica tenciona o nosso pensamento e nossas posições colocam sob
suspeita a maioria de nossos bons pensamentos e bons sentimentos. Não acredito
em nenhuma democracia dentro de um sistema capitalista.
Nessa estrutura, o processo
eleitoral é um jogo de cartas marcadas. Isso não é nenhuma teoria conspiratória
nem uma afirmação determinista irresponsável. Qualquer jogador sabe que não se
precisa marcar todas as cartas para ganhar, mas conhecer as marcas oferece uma enorme
e desleal vantagem diante dos adversários.
Vou votar em Luciana Genro para
presidente, seguindo a orientação do partido a que sou filiado, o PSOL, mas
fazendo isso com satisfação e sem constrangimento. O jogo de cartas marcadas já
garantiu que minha candidata não se elege, porque o povo que poderia elegê-la
não tem acesso às marcas. Curiosamente, isso faz com que a minha candidata
tenha uma liberdade de opinião e de posicionamentos que os candidatos elegíveis
não têm.
Nenhum candidato elegível pode
defender a taxação das grandes fortunas, a descriminalização do aborto, a
liberação da maconha, o direito ao casamento por casais homossexuais, porque
essas bandeiras, que deveriam estar numa pauta honesta de discussão e são do
interesse da maioria da população, das classes trabalhadoras e dos setores de
excluídos do processo social, contrariam interesses econômicos, políticos e
religiosos, exercidos por uma estrutura elitista e excludente.
Mas, é como se Luciana Genro não
fosse candidata. Não há espaço nem oportunidade para se conhecer mais sua
trajetória política e suas propostas de governo. Até porque o partido não
aceitando financiamento de empresas, somente de pessoas, se dispõe a uma
coerência que dificulta mais ainda essa difusão de informações garantida pelo
poder dos grandes grupos econômicos. Por outro lado, isso mostra imediatamente
como o jogo eleitoral é viciado. É senso comum que sem dinheiro (e muito
dinheiro) não se ganha eleição.
A quantidade de dinheiro que
circula a cada ano eleitoral é de um montante assustador, gasto feito em
material de propaganda, mas especialmente em acordos que garantem votação,
quando não diretamente em compra ilegal de votos. O problema maior é que a
fonte que financia as campanhas, os grandes conglomerados econômicos especialmente,
considera isso um grande investimento que será cobrado imediatamente depois das
eleições.
Na prática, o financiamento das
campanhas é feito pela iniciativa privada, mas quem paga as contas, direta ou
indiretamente, são os cofres públicos. O jogo político se constitui assim como
uma mercadoria de grande valor, pertencente como qualquer outro jogo à sociedade
do espetáculo, objeto de especulação que visa o lucro. A corrupção, desse modo,
não é um elemento estranho a todo esse sistema, mas o próprio miolo do mesmo,
desgaste que trava a máquina administrativa e desvia recursos e objetivos
pertencentes por direito à sociedade.
Portanto, volta a pergunta
inicial. Quem estamos elegendo quem? Quem somos e quem elegemos? Com toda a
certeza, enquanto povo, não somos os atores principais desse espetáculo nem
escolhemos os atores de que realmente gostamos. A peça teatral que encenamos
chamada democracia, governo do povo, pelo povo e para o povo, é de qualidade
duvidosa, embora não seja nem uma tragédia nem uma comédia. Provavelmente, uma
farsa.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira
Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança
de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do
Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
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