cancaonova |
O capítulo 20 do primeiro livro
de Reis é a narrativa, com cores de história popular, das relações desses
profetas anônimos com um momento concreto da história do rei Acabe. É a
história da palavra profética pronunciada em um momento de crise e de suas
inesperadas consequências. Dividimo-la em seis pedaços, cada um com um título
meio folhetim, para manter o seu sabor popular.
APLICAÇÃO
Todo texto é rico de significados
o que nos possibilita múltiplas aplicações. Para colhermos algumas, queremos partir da imagem da igreja como comunidade profética
e como comunidade de profetas. É visível no Novo Testamento essa linha de
continuidade entre a igreja e os profetas e a comunidade dos filhos dos
profetas ou dos irmãos-profetas do Velho Testamento nos fornece uma imagem
muito sugestiva para a nossa reflexão.
Como aquela comunidade, somos os
irmãos que partilham o pão e a palavra do Senhor, agora a partir dos novos
significados trazidos por Jesus. Não estamos examinando aqui o dom de profecia,
dentro do significado do Novo Testamento, como um dos dons específicos de algumas
pessoas da comunidade. Mas, a comunidade toda, enquanto comunidade profética, onde
todos partilham essa intimidade da palavra do Senhor, onde todos desfrutam do
Espírito do Senhor.
Dentro dessa perspectiva, podemos
enfatizar a relação entre o profeta e a palavra profética. A palavra profética
é maior do que o profeta. A palavra invade, move, configura, desfigura e
transfigura o profeta. Nessa relação, o
profeta, às vezes, torna-se até anônimo, insignificante profeta diante de uma
palavra que o ultrapassa. Portanto, uma igreja profética é uma igreja invadida,
movida, configurada, transfigurada e, se necessário, até desfigurada pela
Palavra.
.
Em relação ao tempo, o profeta
tem os pés no passado, as mãos no presente e os olhos no futuro. Ele é o
guardião da tradição e protege os marcos teológicos, como a Torah, o Sinai e o
pacto, não permitindo que os mesmos sejam desrespeitados ou esquecidos. No entanto, ele cuida das questões presentes,
sua mensagem é sempre nova, permanente, atualizada, na antevisão do tempo
futuro. Ele perscruta os horizontes do depois, para não ser surpreendido e para
trazer sentido para os fatos do presente e do passado.
Como comunidade profética, a
igreja é a guardiã do passado sem ser tradicional ("A tradição é o esquecimento das origens") é fabricante
do presente histórico sem ser pragmática e é desvendadora do futuro sem ser
escapista. Nela, passado, presente e futuro, encontram-se e reencontram-se em
diversas circunstâncias e múltiplas combinações, sob a regência maior da Palavra.
A fonte da palavra profética é a
mística. O profeta rompe as cadeias da religião formal na busca da intimidade
com Javé. E é essa mesma intimidade que torna a igreja comunidade profética. Mística
não significa irracionalidade, mas a percepção de que as fontes da vida estão
além do entendimento. A mística sadia não rompe a estrutura da razão, mas a
ultrapassa.
Por último, como comunidade
profética, a igreja maneja uma palavra de dupla face. A mensagem da igreja é
bênção e maldição, anúncio e denúncia. Também a igreja não se permite a
banalização das palavras e não tem nenhum consolo para o opressor enquanto
opressor. Deseja a conversão de todos, mas não pode omitir a palavra de juízo
diante da exploração e agressão desumanizantes.
Uma comunidade profética é uma
comunidade que fala, que tem o que dizer, e que não reconhece o espaço-limite
do "sagrado" para os seus
pronunciamentos. Uma face dos seus pronunciamentos é agradável, mas a outra é
desagradável. E se os seus pronunciamentos, muitas vezes, soam como invasão de
espaços, ela prefere invadir em obediência ao Senhor das palavras, do que cair
nesse jogo de meias-palavras, conveniente e oportunista que não incomoda
ninguém.
BIBLIOGRAFIA
BENTZEN, Aage. Introdução ao Antigo Testamento, v. 2.
S. Paulo: ASTE,
1968.
LOHFINK,
Norbert. Profetas ontem e
hoje. S.Paulo: Paulinas,
1979.
RAD, Gerhard
Von. Teologia do Antigo Testamento, v.
2. S. Paulo:
ASTE, 1974.
SCOTT, R. B.
Y. Os profetas de Israel - nossos
contemporâneos. S. Paulo:
ASTE, 1968.
TILLICH, Paul. Teologia sistemática. S. Paulo:
Paulinas, 1984.
THE BROADMAN BIBLE COMMENTARY, v. 3. Nashville: Broadman,
1970.
Nenhum comentário:
Postar um comentário