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*Marcos Monteiro
A descoberta de reservas de
petróleo no fundo do mar de Santos, o famoso pré-sal, foi uma dessas
descobertas fenomenais capazes de gerar assanhamento de tantos jeitos em tantos
lados. Uma projeção de autonomia energética de cerca de cinquenta anos, na
delicada área dos combustíveis fósseis, é alentador para esse país que pertence
a um planeta em que a escassez do precioso líquido se aproxima velozmente. Os
produtos do petróleo construíram a nossa civilização atual e o desaparecimento futuro
dessa fonte energética significa o redesenhar de toda uma estrutura. Claro que
há problemas na utilização do petróleo e seus derivados, mas não podemos
imaginar o que será o mundo sem eles.
O direito de prospecção e de
industrialização do petróleo foi resultante de lutas de vários setores da nossa
sociedade que concordavam (às vezes somente nisso) em garantir para o futuro
autonomia e soberania nacional. O slogan “O petróleo é nosso” era a bandeira
desse movimento. Nomes como o de Monteiro Lobato estiveram associados a essa
reivindicação, tendo o mesmo criado situações no famoso “Sítio do Pica-pau
Amarelo”, em que todas as suas personagens se uniam para defender o petróleo, pretensamente
descoberto no sítio, dos sutis interesses estrangeiros.
Houve um momento de moda na
propaganda internacional em que privatizar era ser moderno diante do atraso de
nacionalismos vazios e se privatizou de tudo com consequências difíceis de se
analisar. Algumas iniciativas estatais e a teimosia de se manter bancos e
empresas como a própria Petrobras no âmbito de gestão do Estado levantam
suspeitas sobre a real necessidade de se privatizar telefonia e outros serviços.
Os lucros de empresas como a Vale, depois de privatizadas, não seriam
necessariamente benefício para a nação. Afinal, lucro é somente um dos
mecanismos de concentração de renda mais eficazes do sistema. Além de que, o
modo como aconteceram as privatizações terem sido motivo de análise e denúncia
sobre vantagens espúrias de intermediários.
Sabemos que se movimentar dentro
da complexidade da pressão capitalista não é alguma coisa fácil e a necessidade
de crescimento estrutural e a demanda por serviços básicos empurram as
administrações para buscas de parcerias que constituem uma negociação entre
diversos interesses. Petróleo é mercadoria cada vez mais rara, possivelmente cada
vez mais cara. Diante disso, um leilão parece óbvio, e parece que se garante um
leque de vantagens para o vendedor, no caso o Brasil. O fato de gigantes
privados do setor não se interessarem em participar parece bom sinal.
Mas não tem como se evitar o
sentimento de perplexidade. Estamos vendendo o nosso petróleo, ou como dizemos
no título: “O petróleo é nosso. Quem dá mais?”. Apressamento e precipitação são
quase sinônimos e o esforço de todo um grupo de agentes respeitáveis do
movimento social assinarem uma petição para embargar o leilão deve ser levado
em conta. Ainda mais quando o fato não parece receber destaque da mídia. A
mídia sempre teve mais facilidade de fazer o jogo do setor privado.
Os movimentos sociais não têm
sido felizes em sua interlocução com o governo. Esses que pareciam ser
companheiros naturais para a gestão atual perdem cada vez mais força diante de
outras pressões. E quando se trata dos grandes eixos da política econômica
raramente são ouvidos ou valorizados. Entretanto, seus pronunciamentos críticos
devem ser entendidos como dos mais confiáveis por lembrarem a interligação de
todas as coisas e por desejarem sempre mais participação popular, portanto mais
democracia.
O petróleo é nosso, mas agora
teremos parceiros que nos pagarão bônus e royalties para aplicarmos nas nossas
necessidades mais urgentes. Isso será uma espécie de mini-privatização e uma
janela para ingerência externa nas nossas decisões nacionais. E tudo no campo
energético, crucial para toda a humanidade. Pode até ser que essa seja a melhor
decisão dentro da conjuntura atual, mas, como toda opção, nunca poderemos saber
como teria sido diferente. O que sabemos é que a decisão vai ser tomada apesar
de tudo e de todos.
Os movimentos sociais não serão
ouvidos mais uma vez, fosso que se vai colocando em uma comunicação cada vez
mais truncada. Achamos mais petróleo e o convertemos em moeda para comprar mais
infra-estrutura, mais saúde e mais educação. Entretanto, parece que não temos
nenhum projeto em andamento para a prospecção de um poço de onde possa jorrar
mais democracia.
Feira de Santana, 27 de setembro
de 2013.
*Marcos
Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do
colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de
pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte
da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade
Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC
– Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br,
site www.cepesc.com.
Fone:
(71) 3266-0055.
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