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Na Vila Maravila, Paranísio, presidente
do sindicato dos ambulantes, é o tipo da figura do líder popular que sempre
admirei e sempre chama a prefeitura como moedor de cana humana. Tentando entendê-lo, eu vi um homem moendo a
cana e observei as várias vezes que ele colocava a cana para ser moída, até
restar o bagaço do bagaço.
As favelas, as comunidades de periferia
como as da passeata de que participamos juntos, com Paranísio e sua combativa
comunidade, são esse bagaço do
bagaço, moído e moído de novo até doar o
derradeiro e impossível caldo.
Paranísio diz que quem entende de cana é
o bagaço e eu penso se não é ali mesmo nas periferias que o milagre da vida, da
humanidade e da história humana torna-se mais visível em todo o seu potencial e
em todas as suas contradições.
No bagaço do bagaço acontecem o estupro,
o tráfico, a pistolagem. Mas também no
bagaço do bagaço surgem a ginga, o futebol, a solidariedade, o amor e a fé que
convoca o infinito para a irrupção na história.
E todas essas coisas ali recebem contornos mais nítidos e cores mais
vívidas. Quem entende de cana é o bagaço
e quem entende da sociedade é o explorado.
O bagaço é um símbolo da resistência,
daquilo que resiste a todas as moeduras e não pode mais ser destruído por
nenhuma máquina, por nenhuma pressão ou opressão. O riso desdentado do favelado fala de que a
alegria pertence ao ser humano e não pode ser destruída por esse sistema
excludente e opressor que arranca dentes.
A dança, o cântico, a sexualidade que estica a família e que produz
laços tão fortes, para o bem ou para o mal, ainda resta forte no bagaço. Se o bagaço tem uma estrutura diferente que a
máquina de moer não pode entender nem desmontar, trançados e bordados,
retículas e capilares desconhecidos da resistência secular, o bagaço depois de
toda a opressão ainda tem doce, ainda cede o caldo da alegria, da esperança e
da possibilidade de futuros outros.
Também a cruz romana era uma máquina de
moer cana e ainda mais uma máquina de moer o caniço humano. Vítima de todas as torturas e opressões,
mártir político e mártir religioso, Jesus tornou-se o protótipo de todos os
bagaços e demonstrou, pela ressurreição,
a indestrutibilidade da vida e a resistência de todos os sonhos.
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