*Marcos Monteiro
As novas tecnologias criaram
novas possibilidades na comunicação, organizando um novo contexto cultural que
mal começamos a perceber. As redes virtuais são produtoras de novos mundos, com
novas relações e novas personagens, atores estreantes em diversas esferas da
organização social, sempre esferas de comunicação e de poder. A chamada
blogosfera tem provocado uma nova configuração na disponibilidade de
informações, causando crises na chamada imprensa oficial. Os conflitos se
sucedem entre as novas e antigas esferas, com novos atores ameaçando antigos.
Jogo de poder que é jogo de informação e jogo de linguagem.
O livro de Daniel Lemos, “Discurso
e argumentação no blog “Fatos e Dados” da Petrobrás”, se apresenta como um dos
mais preciosos estudos sobre todas essas relações, em que o argumento se
apresenta como uma espécie de agente principal. E se o discurso é uma violência
exercida contra as coisas, como diz Foucault, o argumento, trama central em
todo discurso, se estabelece com uma autonomia que dispensa a própria coisa. O
fato, se é que isso existe, está à disposição dos agentes em conflito, os quais
argumentam com toda força dos recursos disponíveis, estabelecendo uma imagética
comparável às justas medievais nessas novas roupagens tecnológicas.
O conflito se estabelece a partir
de um blog criado pela Petrobrás, “Fatos e Dados”, cujo objetivo é exatamente
contrapor à imprensa oficial um outro discurso. Criado como estratégia de
encontrar um espaço de se defender da força da mídia, jornais e televisão,
especialmente a Rede Globo, que participam da instalação de uma CPI contra a
Petrobrás, no ano de 2009. Aproximava-se o ano eleitoral de 2010 e a oposição
ao governo precisava construir fatos e a agenda da mídia caminha quase que
constantemente nessa direção.
Esse livro é resultado da tese de
doutorado em linguística de Daniel Lemos. O poder da linguagem é colocado no
âmbito dos novos suportes virtuais, e o caso específico do blog da Petrobrás é
estudado como fenômeno que acena para novas relações no campo da informação, em
que a cibercultura pode acontecer como lugar de quebra de monopólios, portanto
de oportunidade de maior democracia.
“Os blogs são,
talvez, a primeira grande experiência daquilo que Lévy (1999) qualificou como
revolução promovida pelo ciberespaço, uma vez que liberta o usuário da Internet
para que, dispensando intermediários, possa disseminar seu próprio fluxo de
informações (seus textos, suas músicas), construindo seu mundo virtual, os
produtos de seu espírito, estabelecendo relações sociais e constituindo uma
realidade social sob o seu absoluto critério individual” (Lemos, Daniel.
Discurso e argumentação no blog “Fatos e dados” da Petrobras. Feira de Santana,
BA: Curviana, 2013, p. 269).
Como comunicação de crise, o blog
surge como suporte auxiliar para a construção de argumentos da Petrobras e para
que a função dialógica da linguagem escape das tentativas de rarefação e
ocultação por parte de uma espécie de monopólio da informação. Desse modo,
podemos perceber que aquilo que comumente chamamos de fato é o produto de uma
estratégia de noticiamento e de argumentação que prevalece sobre outras. O fato
é uma criação da linguagem, um argumento que deu certo e foi capaz de criar
consenso para o seu público.
Os jogos políticos se sucedem e
as estratégias discursivas se recompõem ciclicamente. Novamente, estamos às
vésperas de um ano eleitoral e já podemos perceber nas entrelinhas da
informação o conflito causado pelas disputas que se avizinham. Não existe
neutralidade política nem neutralidade da informação. A CPI da Petrobras em
2009 não conseguiu atingir os seus objetivos políticos, e o blog “Fatos e Dados”,
junto com outros atores, foi um dos responsáveis por isso. Em menos de seis
meses atingiu a marca histórica de dois milhões de visitantes. Em sua querela argumentativa
estabeleceu uma certa vitória sobre os seus oponentes, demonstrando a força
advinda do ciberespaço, a qual se desenha cada vez com mais vigor.
O livro de Daniel Lemos nos faz
ficar atentos a todos esses fenômenos e a analisar as estratégias discursivas
que estarão em vigor daqui por diante. Os fatos, em certo sentido, são
criaturas do argumento. O jogo político é um jogo de interesses, lugar em que a
maioria quase nunca é representada condignamente. Não podemos ser ingênuos
diante da pretensão de neutralidade e objetividade da informação. Os discursos
são construções poderosas e perigosas, deixando-nos sempre com a impressão de
que contra argumentos não há fatos.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira
Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança
de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do
Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
Muito bondosas suas palavras, Marcos. Obrigado.
ResponderExcluir