Di Cavalcanti |
Terminou
de escrever o texto e morreu. Morreu de parto, mas o séqüito seguiu o texto,
que funeral de autor ninguém agüenta, e os pronunciamentos, as elegias, as
considerações sobre a vida e a morte acompanharam as exéquias vivas, estranho
cortejo fúnebre à procura de novo autor.
Amamentando-se
vorazmente no peito da crítica, o texto experimentou seus primeiros balbucios,
ânsia de comunicação à espreita da linguagem, movimentos e sensações que engatinham
pelo chão da vida.
Fase
em que lágrimas e sorrisos são quase a mesma coisa e a necessidade de
experimentar os espaços traz o mundo através de cifras, imagens tão surreais
que o texto, meio ofuscado, duvida de si mesmo.
Encaminhado
à escola, descobre o suplício diário de aguardar o recreio, momento em que pode
se balançar liricamente e escorregar por entre os solecismos, esquecido de
intermináveis regras e incontáveis métodos, repetidos insistentemente em um
quadro.
Então,
chega-se o tempo de procurar emprego, currículo distribuído esperançosamente
entre editoras, revistas e jornais, disputando espaços com outros textos,
aprendendo os truques de se atender expectativas e driblar primeiras
impressões.
Durante
as entrevistas, precisa aprender a dominar o pânico e a responder perguntas
impossíveis: “Qual a intenção do autor?”, “qual o estilo literário?”, “qual o
mundo do texto?”, “qual a mensagem?”, “qual a aplicação atual?”.
Não
tem como explicar que desde a morte do autor, os autores se multiplicaram e que
não pode saber da intenção do autor ou dos autores e que nem mesmo os autores
conhecem as suas intenções. Não pode dizer que o mundo do texto é uma fusão de
mundos, que estilo, mensagem e aplicação, variam com a variação de autores,
mundos e intenções e que a multiplicação de sentidos é característica do seu
próprio modo de ser texto.
Nesse
momento, o texto passa pela constrangedora situação de fazer a hermenêutica do
intérprete, descobrir que resposta ele espera e impressioná-lo com a sua opção.
Quando
acerta, assina contrato e torna-se texto inserido no mercado, trabalhador de
paletó e gravata, burocrata cumpridor de horários e remuneração, direitos e
futuro assegurados até o dia da morte.
Quando
não consegue passar por todo esse processo, torna-se mais um texto
desempregado.
Texto
biscateiro, texto camelô, texto vagabundo, texto aventureiro, texto
guerrilheiro, texto prostituto, texto proscrito, texto excluído, ou
simplesmente texto doméstico.
Uma
multidão de textos marginais que na maioria das vezes carregam mais verve e
criatividade do que os textos contratados pelo sistema. Esses textos nunca
morrem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário