quarta-feira, 21 de novembro de 2018

PARA SANDRA HELENA, A AMADINHA DE TODAS NÓS

Marcos Monteiro

A vida é essa corrida diferente em que ninguém deseja chegar ao final. Fila bem comportada em que não se disputa lugar e até se permite, gentilmente, ser ultrapassado. Como a humanidade é vivência complicada, tem gente que se lança doidamente para a frente e até gente que apressa o passo dos outros, ou de vez ou dia a dia.

Mas tem também as circunstâncias, momentos em que somos lançados para o pelotão de frente e avistamos as baionetas do inimigo roçando a nossa pele. E Sandra Helena, a amadinha de todas nós, foi acometida de câncer, descobriu que carregava o inimigo dentro do próprio corpo, e está nesse procedimento aterrorizador chamado quimioterapia, o que parece para a nossa laicidade mania da medicina de tentar curar doença com outra maior.

Pois bem, quis homenagear Sandra porque Cleide me lembrou que escrevi um texto para Bete, mas depois que ela chegou ao fim e partiu para novos começos desconhecidos. Neste texto quero incluir Nadja, Rose, e quantas e quantos estão lutando contra o próprio corpo para ter mais vida. Mas quero focar na amadinha de todos nós. Eu mesmo, depois do infarto do ano passado, me sinto na frente da fila e tenho a mania de todo dia achar que vou morrer hoje. Um dia eu acerto, eu sei. Mas desejo de verdade chegar do outro lado antes, e aguardar Sandra.

Sandra sempre chegou empapando os nossos cabelos com o mantra “amadinhas e amadinhos”, e se lançando corpo inteiro, conversa inteira e sorriso inteiro sobre as nossas vidas. Mas depois do câncer, parece que o seu corpo balança mais e sua conversa é ainda mais viva e o seu sorriso do tamanho do mundo se tornou maior do que a vida e do que a morte. Porque Sandra sempre foi exagerada e nenhuma doença é capaz de diminuir isso, pelo contrário.

Exageradamente, Sandra se lança missionária evangélica feminista pelo Jacaré dos Homens (quase das Mulheres agora) e junto com Rita e com Renilza evangeliza homens e mulheres e organiza a resistência. E exagera em amar a Deus, a Jesus, à Ruah Divina, e à população sertaneja, especialmente a parte mais vulnerável, e a netos e netas e a filhas e filhos e a Wilson, o seu amadinho predileto, caubói laçado e capturado pelas redes dessa mulher habilidosa.


Wilson é grandão e gentil, mas é pitbull disfarçado de poodle, pronto para estraçalhar quem ameace a sua amadinha, cercando Sandra de muito carinho e cuidados, como quem carrega uma argola na ponta da lança, montado no cavalo em disparada. E gosta de cavalos, de toada, de cordel e de humor, como nordestino de bem com a vida e com o amor, amado e amando.

Pois bem, de tanto distribuir mantras, Sandra recebeu de volta tudo que lançou e muito mais e se tornou a amadinha de todas nós. Com o câncer, tornou-se um oceano de amor e de energia e de saúde para distribuir de graça. Costumo dizer que quando me sinto meio triste invento de visitar Sandra. Ou melhor, invento de me visitar na casa de Sandra e saio revigorado. Ainda não sei quantos dons Sandra tem, são muitos, mas um eu descobri por acaso, a visão de raio x. Podem perguntar a Aninha.

Estávamos conversando na sala, enquanto Aninha preparava o peixe, e conversa vem, Sandra grita pra Aninha, “você está mexendo errado no fogão” e estava mesmo. Tinha uma parede no meio e então descobri que a visão de Sandra ultrapassa obstáculos e é por isso que consegue enxergar o coração das pessoas e encontra beleza por traz das carcaças. Nesse novo momento, diante da ameaça da morte, Sandra parece saber mais da vida, como quem precisou aprender a sorver goles de ar no deserto, a se alimentar de sementes e a extrair perfume de espinhos.

Para terminar o texto, quero descrever a cena final que imaginei. Eu consigo chegar primeiro do outro lado e estou aguardando um bocado de gente, quando Sandra chega e eu grito logo, “Amadinha”. Ela sorri, me abraça e sai abraçando meio mundo que vai ficando mais contente. O sorriso do Pai fica luminoso, a Ruah Divina começa a gargalhar e o Carpinteiro de Nazaré a convida pra dançar. Ela fica muito feliz, mas de repente se aquieta em um canto, e eu pergunto: “O que foi?”. Ela me diz: “Estou com saudade do meu caubói. Parece que vai demorar”.

Maceió, 21 de novembro de 2018.

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