sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A POLÍTICA DA INDIGNAÇÃO



planetasustentavel
Marcos Monteiro*

O tom adequado para se anunciar um fato político deve ser o olhar indignado de quem quase não acredita no que está vendo, ouvindo ou dizendo. Isso parece servir para qualquer tipo de veículo de comunicação e para qualquer posição assumida. Indignação ganha posição de informação confiável e envolvimento pessoal no trabalho de se construir um mundo melhor, desde que parece lógico que se nos indignamos é porque pertencemos ao outro lado. Ou seja, sempre há dois lados: o lado dos indignados e o lado dos que causam indignação.

A indignação coloca sempre a ética na pauta da discussão, pretende ser a extensão lógica de um sentimento de raiva contra quem quebra irresponsavelmente os valores mais importantes da nossa vivência pessoal. Até parece que quando nos indignamos nos tornamos sujeitos moralmente responsáveis, vigilantes de uma ordem social que luta constantemente contra um caos que não fomos nós que provocamos.

Sabemos que a raiva é constituinte da nossa formação psíquica e precisa ser exercida. Paulo Freire chega a afirmar que a raiva é um sentimento legítimo a ser empregado contra tudo aquilo que impede a luta pela verdade, justiça e amor. Desse modo, a indignação assume uma posição política necessária.

Entretanto, nem sempre se indignar é portar-se criticamente, bem como a raiva não se torna sozinha conscientização política. Via de regra, escolhemos o escopo da nossa indignação, entre tantos, de acordo com nossos próprios interesses, na réstia daquela tão antiga afirmação de Platão de que tememos muito mais sofrer a injustiça do que praticá-la. Mecanismos de projeção podem estar sempre produzindo a nossa indignação. Nos meados do século XX, Erich Fromm afirmava que a “indignação moral” era um fenômeno de classe média. Grupo de pessoas que se indignavam sobre o estilo de liberdade dos mais ricos, mas que gostariam na verdade era de atingir esse mesmo jeito de viver.

Desse modo, é impossível não desconfiar dessa onda de indignação desencadeada fortemente por todos os lados em ano de aquecimento para a corrida eleitoral. Os indignados e indignadas que têm acesso à mídia são isso mesmo: indignados com acesso. Os indignados sem acesso, ou não têm lugar para dirigir a sua raiva ou têm outros conteúdos para as mesmas. Tenho cada vez mais dificuldade de assistir à indignação de quem vive do lado mais confortável de uma vida cada vez mais dura para tanta gente. Sinto estranheza e, às vezes, não posso evitar de me indignar com esse tipo de indignação.

Em toda essa produção de notícias e informações, minha indignação vai cada vez mais para os silêncios e para as entrelinhas. Por que não sei de nenhuma onda de indignação contra o sistema financeiro ou contra o sistema fundiário do país? Por que as vítimas de juros abusivos ou da sanha de grileiros e proprietários de terra não são pauta da mídia? Por que alguns esquemas fraudulentos são muito mais noticiados do que outros, às vezes maiores? Perguntas que talvez mereçam uma séria investigação, mas eu não sei de quantas assinaturas indignadas precisaríamos para propor a abertura de uma CPI da indignação.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.

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