sexta-feira, 4 de outubro de 2013

POESIA E POLÍTICA


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Marcos Monteiro*


Somos poéticos e políticos. Fazer as palavras cantarem e cuidar do espaço em que existimos como grupo social são dois aspectos da nossa condição humana.

No mundo da disjunção separamos displicentemente aquilo que constitui um todo e não podemos imaginar ser poéticos e políticos ao mesmo tempo. Na poesia distendemos a linguagem pelos caminhos do novo, jeito de caber tantos mundos especialmente os impossíveis. Na política organizamos o discurso para que o mundo de todos nós seja o melhor possível. O mundo nos antecede e nos constitui a todos, assim como nos antecede a poesia e a política. Somos poetas e políticos até sem querer porque imersos na linguagem e no mundo. Somos parte e relação e isso nos leva ao cuidado e à fascinação pela beleza e pela sociedade em que nos movemos.

O poeta é um artesão da palavra e o político um artesão da sociedade. Entretanto, no sistema capitalista em que nos movemos os artesãos foram transformados em assalariados, proletários da linguagem e proletários da vida. Pequenos salários para os poetas e grandes salários para os políticos, tipo estranho de assalariado que pode decidir sobre seus ganhos e vantagens. Essa proletarização se constitui em sequestro e amordaçamento de nossas vocações fundamentais. Por este motivo, poesia e política, na acepção da palavra, só podem acontecer como subversão. Subversão poética da linguagem e subversão política dos tradicionais procedimentos que nos deixam a todas e todos atônitos e desencantados.

Na sempre lembrada poesia de Fernando Pessoa,

O poeta é um fingidor
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

Ilusionista de sentimentos e provocador de descaminhos, o poeta caminha pela linguagem em conflito com a mesma. Por outro lado, o político, transformado de artesão em assalariado, faz outro tipo de ilusão. A ilusão de que ainda tenta tecer um mundo melhor, quando se tornou mantenedor do mesmo mundo. A sociedade democrática que diz representar normalmente não se reconhece em seus discursos nem em seus projetos. Assim, fingidor de outra maneira poderia ter na seguinte paráfrase uma espécie de perfil.

O político é um fingidor
finge tão perfeitamente
que chega a fingir ter dor
da dor que causa na gente.

A construção política da sociedade democrática é de um mundo em que todas e todos podemos fazer poesia e política enquanto vocação humana. O político profissional, assalariado do capital, não está a serviço da maioria, mas da gestão que prevê brutal concentração de renda e inevitável discriminação e desigualdade social.

Não temos dúvida de que as manifestações de junho, em sua ambiguidade e complexidade, apontaram para a vocação política da humanidade. Alijados de um processo chamado democrático pessoas de todos os lugares e de todas as situações se apossaram de um espaço que lhes pertencem por direito, mas que lhes é negado de fato, as ruas. Nas ruas estabeleceram diversas pautas e provocaram conflitos de diversos portes. Mas havia música e dança e criatividade. Naquele momento, fomos todas e todos, políticos e poéticos.

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.

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