quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O bagaço da cana

ifyouwantodo

Na Vila Maravila, Paranísio, presidente do sindicato dos ambulantes, é o tipo da figura do líder popular que sempre admirei e sempre chama a prefeitura como moedor de cana humana.  Tentando entendê-lo, eu vi um homem moendo a cana e observei as várias vezes que ele colocava a cana para ser moída, até restar o bagaço do bagaço.

As favelas, as comunidades de periferia como as da passeata de que participamos juntos, com Paranísio e sua combativa comunidade,  são esse bagaço do bagaço,  moído e moído de novo até doar o derradeiro e impossível caldo.

Paranísio diz que quem entende de cana é o bagaço e eu penso se não é ali mesmo nas periferias que o milagre da vida, da humanidade e da história humana torna-se mais visível em todo o seu potencial e em todas as suas contradições.

No bagaço do bagaço acontecem o estupro, o tráfico, a pistolagem.  Mas também no bagaço do bagaço surgem a ginga, o futebol, a solidariedade, o amor e a fé que convoca o infinito para a irrupção na história.  E todas essas coisas ali recebem contornos mais nítidos e cores mais vívidas.  Quem entende de cana é o bagaço e quem entende da sociedade é o explorado.

O bagaço é um símbolo da resistência, daquilo que resiste a todas as moeduras e não pode mais ser destruído por nenhuma máquina, por nenhuma pressão ou opressão.  O riso desdentado do favelado fala de que a alegria pertence ao ser humano e não pode ser destruída por esse sistema excludente e opressor que arranca dentes.  A dança, o cântico, a sexualidade que estica a família e que produz laços tão fortes, para o bem ou para o mal, ainda resta forte no bagaço.  Se o bagaço tem uma estrutura diferente que a máquina de moer não pode entender nem desmontar, trançados e bordados, retículas e capilares desconhecidos da resistência secular, o bagaço depois de toda a opressão ainda tem doce, ainda cede o caldo da alegria, da esperança e da possibilidade de futuros outros.

Também a cruz romana era uma máquina de moer cana e ainda mais uma máquina de moer o caniço humano.  Vítima de todas as torturas e opressões, mártir político e mártir religioso, Jesus tornou-se o protótipo de todos os bagaços e demonstrou, pela ressurreição,  a indestrutibilidade da vida e a resistência de todos os sonhos.

(Esse texto se encontra no livro “Vila Maravila: um lugar diferente e cheio de graça”. O livro pode ser adquirido em contato com o autor ou na Livraria Nobel, Av. Getúlio Vargas, 2410, Feira de Santana – BA. Da mesma maneira você pode encontrar o segundo volume: “Vila Maravila: gols de esperança no campo da vida”


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