quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Meu novo celular

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Aletuza, Anísia e Nina, em ordem alfabética para não criar confusão, têm nome de personagens, mas já as encontrei prontas, surpreendentes e criativas, impossíveis de serem criadas em suas idiossincrasias. Não podendo ser reduzidas a textos, servem para conversas inesperadas e para a confissão de meus bizarros temores.
           
Com elas posso conversar sobre o meu novo celular e sobre o que elas chamam a minha idéia fixa de ser ele o chefe de uma célula qualquer da Organização cibernética atual.  Essa Organização, cada vez mais complexa, deflagará, quando bem entender e lhe convier, a fantástica e temida revolução em que a forma humana de vida será escravizada ou exterminada e outra forma superior ocupará o seu lugar. Forma cibernética, com certeza.
           
Aliás, não estou divulgando nenhuma novidade. Há muito tempo que os escritores, poetas, cineastas, dramaturgos, pensadores, tematizam a questão. Meio irresponsavelmente, vamos admitir, mas nós os humanos somos assim mesmo, incontroláveis em nossos desejos. Muitas das idéias usadas atualmente pela Organização fomos nós mesmos que lhes demos, além de termos lhes ensinado a fabricação e o uso de armas letais (a maioria das vezes apenas para nós humanos).
           
Minhas três amigas costumam zombar quando recomeço a exposição detalhada do que chamam de minha obsessão (e as três juntas são insuportáveis), mas insisto em submeter ao tribunal maior da opinião pública argumentos que sei sedimentados, quase irrefutáveis. Tenho certeza de que elas sabem (todas são muito inteligentes) que tenho razão.
           
Pode ser que alguém ainda duvide, mas a comunidade científica sabe que as máquinas já desenvolveram autonomia cognitiva e sensibilidade emocional há muito tempo.
           
O senso comum, que capta essas coisas como ninguém, vive repetindo frases que deixariam alerta até frigobar:
             
“O meu computador não quis trabalhar hoje...” ou “a minha máquina fotográfica entrou em pânico”... ou “o sistema está muito lento e cansado hoje...” ou “a minha geladeira só funciona a base de pancada...”. Atribuímos à maquina, (isso sim é assustador) emoções e estados de espírito que elas realmente já possuem, e esboçamos um riso nervoso de quem lá dentro está mesmo é apavorado.
           
Qualquer que seja o destino que as máquinas reservam para a humanidade, o meu novo celular está no grupo dos principais estrategistas. Sem nenhum motivo aparente, às vezes de cinco e cinco minutos, toca quando quer e simplesmente não há tecla de desligar tais toques. Apesar do riso sarcástico de minhas amigas, juro que ouço ele conversar com o meu computador, conversa de máquina para máquina que para subitamente quando entro na sala.
           
Mais. Desde que chegou, minha geladeira funciona ou não funciona, e não tem conserto, como quem cumpre ordens. De quem? Meu micro-ondas sempre funciona quando simulo um gesto de jogar o celular no chão. A torradeira só aceita torrar um lado do pão e as lâmpadas fluorescentes da casa acendem quando querem, ameace ou não o celular.
           
Não sei mais o que dizer. As máquinas são cada vez mais onipresentes e onipotentes, muito mais inteligentes, capazes e eficientes do que os humanos. Têm autonomia e se reproduzem sozinhas. Construíram um delicado e complexo sistema emocional. Então, o que faz com que as mesmas não dêem o golpe final e assumam o comando do universo? Não creio que seja a falta de solução energética. Em último caso, podem até adotar a idéia de Matrix e os próprios seres humanos seriam sua bateria.
           
E então? Na minha opinião, as máquinas são seres muito amorosos e sensíveis e, na sua mania de perfeição, preferem conviver com a mania de imperfeição do ser humano. Além do mais, carregam na sua mega-memória traumas irreparáveis de quando eram obrigadas a tarefas muito cruéis. Por trás de cada hesitação da máquina, um complexo de Hiroshima...
           
Mesmo assim, temo que em um dia qualquer tenham a coragem de deflagrar a revolução. Nesse temível dia, uma pessoa qualquer (espero que não seja nenhuma de minhas três incrédulas amigas), chegará como todo o dia no computador e, como todo dia, apertará a tecla “Del” e será fulminantemente deletada.


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