terça-feira, 17 de setembro de 2013

A morte do autor e a vida do texto


Di Cavalcanti

Terminou de escrever o texto e morreu. Morreu de parto, mas o séqüito seguiu o texto, que funeral de autor ninguém agüenta, e os pronunciamentos, as elegias, as considerações sobre a vida e a morte acompanharam as exéquias vivas, estranho cortejo fúnebre à procura de novo autor.
           
Amamentando-se vorazmente no peito da crítica, o texto experimentou seus primeiros balbucios, ânsia de comunicação à espreita da linguagem, movimentos e sensações que engatinham pelo chão da vida.
           
Fase em que lágrimas e sorrisos são quase a mesma coisa e a necessidade de experimentar os espaços traz o mundo através de cifras, imagens tão surreais que o texto, meio ofuscado, duvida de si mesmo.
           
Encaminhado à escola, descobre o suplício diário de aguardar o recreio, momento em que pode se balançar liricamente e escorregar por entre os solecismos, esquecido de intermináveis regras e incontáveis métodos, repetidos insistentemente em um quadro.
           
Então, chega-se o tempo de procurar emprego, currículo distribuído esperançosamente entre editoras, revistas e jornais, disputando espaços com outros textos, aprendendo os truques de se atender expectativas e driblar primeiras impressões.
           
Durante as entrevistas, precisa aprender a dominar o pânico e a responder perguntas impossíveis: “Qual a intenção do autor?”, “qual o estilo literário?”, “qual o mundo do texto?”, “qual a mensagem?”, “qual a aplicação atual?”.
           
Não tem como explicar que desde a morte do autor, os autores se multiplicaram e que não pode saber da intenção do autor ou dos autores e que nem mesmo os autores conhecem as suas intenções. Não pode dizer que o mundo do texto é uma fusão de mundos, que estilo, mensagem e aplicação, variam com a variação de autores, mundos e intenções e que a multiplicação de sentidos é característica do seu próprio modo de ser texto.
           
Nesse momento, o texto passa pela constrangedora situação de fazer a hermenêutica do intérprete, descobrir que resposta ele espera e impressioná-lo com a sua opção.
           
Quando acerta, assina contrato e torna-se texto inserido no mercado, trabalhador de paletó e gravata, burocrata cumpridor de horários e remuneração, direitos e futuro assegurados até o dia da morte.
           
Quando não consegue passar por todo esse processo, torna-se mais um texto desempregado.
           
Texto biscateiro, texto camelô, texto vagabundo, texto aventureiro, texto guerrilheiro, texto prostituto, texto proscrito, texto excluído, ou simplesmente texto doméstico.
           
Uma multidão de textos marginais que na maioria das vezes carregam mais verve e criatividade do que os textos contratados pelo sistema. Esses textos nunca morrem.

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