terça-feira, 13 de agosto de 2013

Os fios invisíveis do texto

linha-mestra



O texto não estava bom ou estava somente bom, essas coisas mesmas de texto.

Começara a tricotear, cuidadosamente, mas as linhas e os caminhos não se resolviam. Tentei trocar agulhas e linhas e aventurei pontos de crochê, até abandoná-lo exausto sobre a mesa.
           
Fui dormir e quando acordei o texto estava pronto e estava lindo.
           
Todo aquele trabalho, fazer, refazer e fazer novamente, mas os fios dourados, prateados e multicoloridos não se entreteciam adequadamente.
           
De algum modo, o texto se fez.
           
Rearrumou-se entre os fios e acrescentou novos, alguns invisíveis, percebidos apenas pelo toque. Acrescentou espaços, silêncios, ressaltou entrelinhas e pôs sobre tudo um jeito sutil, um quê e um qual indefinidos.
           
Toquei o texto timidamente, como quem se aventura em novo amor, e as mangas do texto deslizando sobre a minha nuca me causaram arrepios.
           
Precisava ir me achegando ao texto e mostrá-lo por aí, o que foi um processo lento.
           
Passava horas somente olhando e distendia o texto cuidadosamente sobre a mesa, procurando o melhor ângulo para o visitante ocasional, ou então o pendurava descuidadamente sobre um cabide, como quem não faz questão de mostrar.
           
Depois criei coragem, vesti o texto e saí às ruas, sentindo-me belo e imponente.
           
Com o canto do olho, como quem não olha (aquele olhar de adolescente apaixonado), recolhia semblantes surpresos diante do texto e me enchia de orgulho, acompanhado de uma imensa ternura por textos menores.

E ao público, encantado com o texto, derramando-se em elogios, respondia sempre modestamente que não tinha sido o autor, o texto se tecera sozinho.


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