linha-mestra |
O texto não estava bom ou estava
somente bom, essas coisas mesmas de texto.
Começara a tricotear,
cuidadosamente, mas as linhas e os caminhos não se resolviam. Tentei trocar
agulhas e linhas e aventurei pontos de crochê, até abandoná-lo exausto sobre a
mesa.
Fui dormir e quando acordei o
texto estava pronto e estava lindo.
Todo aquele trabalho, fazer,
refazer e fazer novamente, mas os fios dourados, prateados e multicoloridos não
se entreteciam adequadamente.
De algum modo, o texto se fez.
Rearrumou-se entre os fios e
acrescentou novos, alguns invisíveis, percebidos apenas pelo toque. Acrescentou
espaços, silêncios, ressaltou entrelinhas e pôs sobre tudo um jeito sutil, um
quê e um qual indefinidos.
Toquei o texto timidamente, como
quem se aventura em novo amor, e as mangas do texto deslizando sobre a minha
nuca me causaram arrepios.
Precisava ir me achegando ao
texto e mostrá-lo por aí, o que foi um processo lento.
Passava horas somente olhando e
distendia o texto cuidadosamente sobre a mesa, procurando o melhor ângulo para
o visitante ocasional, ou então o pendurava descuidadamente sobre um cabide,
como quem não faz questão de mostrar.
Depois criei coragem, vesti o
texto e saí às ruas, sentindo-me belo e imponente.
Com o canto do olho, como quem
não olha (aquele olhar de adolescente apaixonado), recolhia semblantes
surpresos diante do texto e me enchia de orgulho, acompanhado de uma imensa
ternura por textos menores.
E ao público, encantado com o texto, derramando-se em elogios, respondia sempre modestamente que não tinha sido o autor, o texto se tecera sozinho.
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