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Marcos Monteiro*
Misturar novela e jornal nacional
é ensombrecer os contornos entre ficção e realidade, bem como acompanhar
programas de humor e de reportagens significa confundir comédia e tragédia. Ficamos
entediados ou indignados com os quadros humorísticos, mas desatamos de rir
diante de reportagens e notícias, exatamente como cegos em cinema: gargalhando em
catástrofes e chorando nas piadas.
O grande aparato de divulgação,
chamado de “o quarto poder”, tem o objetivo de mascarar a informação, fazendo
recortes que excluem o que não interessa, talvez aquilo realmente importante.
Denunciar alguém significa quase sempre
proteger alguém e se indignar diante de crimes significa ocultar crimes e desviar
suspeitas. Isso exige do profissional da informação uma certa habilidade que
causa a confusão de gêneros, porque o mais hábil dos roteiristas não seria
capaz de proporcionar os espetáculos que o jogo de interesses produz.
Que escritor de comédias seria
capaz de produzir a gafe de um veemente comentarista político afirmar uma coisa
e noutra ocasião o seu contrário?
De igual modo, o mais inventivo
dos romances de espionagem não têm roteiros parecidos com a descoberta de uma
fantástica atividade de vigilância produzida sobre uma incalculável massa de
cidadãos comuns. E mais, o final de tudo seria digno de uma comédia, assim meio
paródia. O líder do sistema de espionagem termina muito bem e quem denuncia o
esquema tem de perambular pelo mundo em busca de proteção.
São divulgadas notícias de crise
crescente na Europa e nos Estados Unidos e ao mesmo tempo importados exemplos
desses lugares para serem aplicados aqui. Estamos tão acostumados com essa
confusão que quando se fala de que precisa se humanizar o mercado e dar uma
função social ao capitalismo, ninguém se contorce de tanto rir. A frase é de
natureza tão esdrúxula quanto qualquer roteiro (de Spielberg naturalmente) de
domesticação do “tiranossauro rex”.
O sistema capitalista é
naturalmente predador, estruturalmente concentrador de renda e de poder. Portador
de uma fome voraz ocupa todos os espaços possíveis para garantir a sua gula.
Financia artistas, políticos, pensadores, jornalistas, para representarem os papéis
de seu roteiro e para modelarem a sua imagem. Pintar o dragão de rosa não é súbita
inspiração de cinematografia, é tarefa cotidiana de toda uma equipe muito bem
paga.
As diferentes rodadas de
discussão e de informação são organizadas por pessoas que pertencem à parte de
cima da pirâmide e comumente são sobre pessoas do mesmo nível e lugar.
Denúncias de jornalistas contra políticos são via de regra acusações de
milionários contra milionários, crise interna que continua mantendo a lógica de
desigualdade do sistema. Os editores de notícias, quase sempre, não conhecem
filas nos SUS nem andam de ônibus. Movimentam-se em um espaço e em um tempo
diferentes dos demais. Nesse confuso mundo, mocinhos e bandidos precisam estar
sempre sob vigilância crítica.
Desse modo, escamotear a
realidade não é falta de conhecimento nem falha na postura profissional. Pelo
contrário, precisa-se de que o sistema continue sendo o mesmo, talvez com
pequenos ajustes, para que continue a favorecer uma minoria. O sistema precisa
das sombras e das entrelinhas, sua necessidade vital é não dizer. A
desinformação, por conseguinte, é estrutural.
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA e do grupo de pastores da Primeira
Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE. Também faz parte da diretoria da Aliança
de Batistas do Brasil e é membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do
Brasil.
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-0055.
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