quinta-feira, 1 de março de 2012

AS GREVES DAS GREVES


Marcos Monteiro*

Difícil para outros segmentos da sociedade trabalhadora apoiar greve policial. Polícia sempre é sinônimo de repressão a estudantes e trabalhadores. Não sei se seria a oportunidade de todos os outros segmentos organizarem a sua própria greve, dentro da imensa lista de demandas da população perante o desequilíbrio social e institucional: pelo menos, faltaria polícia para reprimir. Mas a impressão é que policial, nessas horas, faria intervalo na sua greve para bater na greve dos outros, questão de costume. A questão real é que a polícia só se reconhece como trabalhadora nas horas em que o bolso aperta, como se não apertasse para todo mundo.

Direito de greve é direito de trabalhador, às vezes não reconhecido por setores dominantes. Entretanto, estabelecido e divulgado o movimento, algumas imagens nos convidam a pensar. Policiais fardados, de revolver em punho, atirando para cima, nos remetem a muita coisa. Imagem puxa imagem e a memória nos lembra policiais atirando em civis, descendo o cassetete em movimentos sociais e promovendo reais massacres contra sem-terras, presidiários ou crianças de rua. Policial não é trabalhador qualquer, mas trabalhador perigoso, com direito a posse e uso de arma e com um cotidiano de confronto e violência.

O policial é o trabalhador comum da garantia da lei e da ordem. Quando a lei não é ética e a ordem é imoral, ele continua do mesmo lado porque, como qualquer trabalhador, não é pago para pensar nem para decidir. Desse modo, torna-se a face visível de um sistema hierárquico e autoritário em que a força do direito e o direito da força se confundem.

A presença universal do policial (veja-se emblematicamente o policiamento ostensivo) aponta para a presença universal do crime e nos leva a esquecer que talvez o próprio sistema seja o grande criminoso. O historiador Hobsbawm lembra que as guerras produzem seres humanos cuja maior especialidade é matar. Em tempo de paz, parte dessas pessoas continuam fazendo aquilo que mais sabem, engrossando as fileiras do crime. O que parece óbvio é que cada vez mais a sociedade parece estar em permanente guerra e parte da população é treinada pelo próprio sistema para bater e matar. Luta corporal e tiro ao alvo é currículo diário e obrigatório da educação de vários jovens e adultos de nossa terra.

Nas escolas, a história das vitórias pelas armas é contada e recontada, formando a nossa consciência patriótica e produzindo em nossa alma emoções diante de desfiles armados, por exemplo. Albert Einstein dizia que não conseguia ter nenhum entusiasmo diante de uma parada militar: não conseguia admirar quem pensava com a medula. Dirigir nossas emoções, escolher os motivos das nossas admirações, também é tarefa educativa. Ser educado é saber distinguir entre o próprio Einstein e o famoso Duque de Caxias, modelo escolar de militar disciplinado ou de um bom funcionário das armas.

Essa greve nos remete à constatação da necessidade policial, de bons policiais certamente, mas nos leva a pensar em como seria um mundo sem polícia ou sem nenhum tipo de funcionário das armas. Mundo sonhado, cantado, dançado, em que o corpo seja lugar para a ternura e carinho e nunca instrumento para causar dor. Muito se escreveu sobre, mas ainda é preciso sonhar. A utopia de um mundo melhor deve inclusive ser mais do que sonho. Deve ser o grande projeto, mesmo se inalcançável, que oriente as nossas pequenas, cotidianas e alcançáveis metas.

Feira de Santana, 10 de fevereiro de 2012

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526.

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