Marcos Monteiro*
Difícil para outros segmentos da
sociedade trabalhadora apoiar greve policial. Polícia sempre é sinônimo de
repressão a estudantes e trabalhadores. Não sei se seria a oportunidade de
todos os outros segmentos organizarem a sua própria greve, dentro da imensa
lista de demandas da população perante o desequilíbrio social e institucional:
pelo menos, faltaria polícia para reprimir. Mas a impressão é que policial,
nessas horas, faria intervalo na sua greve para bater na greve dos outros,
questão de costume. A questão real é que a polícia só se reconhece como
trabalhadora nas horas em que o bolso aperta, como se não apertasse para todo
mundo.
Direito de greve é direito de
trabalhador, às vezes não reconhecido por setores dominantes. Entretanto,
estabelecido e divulgado o movimento, algumas imagens nos convidam a pensar.
Policiais fardados, de revolver em punho, atirando para cima, nos remetem a
muita coisa. Imagem puxa imagem e a memória nos lembra policiais atirando em civis,
descendo o cassetete em movimentos sociais e promovendo reais massacres contra
sem-terras, presidiários ou crianças de rua. Policial não é trabalhador
qualquer, mas trabalhador perigoso, com direito a posse e uso de arma e com um
cotidiano de confronto e violência.
O policial é o trabalhador comum
da garantia da lei e da ordem. Quando a lei não é ética e a ordem é imoral, ele
continua do mesmo lado porque, como qualquer trabalhador, não é pago para
pensar nem para decidir. Desse modo, torna-se a face visível de um sistema
hierárquico e autoritário em que a força do direito e o direito da força se
confundem.
A presença universal do policial
(veja-se emblematicamente o policiamento ostensivo) aponta para a presença
universal do crime e nos leva a esquecer que talvez o próprio sistema seja o
grande criminoso. O historiador Hobsbawm lembra que as guerras produzem seres
humanos cuja maior especialidade é matar. Em tempo de paz, parte dessas pessoas
continuam fazendo aquilo que mais sabem, engrossando as fileiras do crime. O
que parece óbvio é que cada vez mais a sociedade parece estar em permanente
guerra e parte da população é treinada pelo próprio sistema para bater e matar.
Luta corporal e tiro ao alvo é currículo diário e obrigatório da educação de vários
jovens e adultos de nossa terra.
Nas escolas, a história das
vitórias pelas armas é contada e recontada, formando a nossa consciência
patriótica e produzindo em nossa alma emoções diante de desfiles armados, por
exemplo. Albert Einstein dizia que não conseguia ter nenhum entusiasmo diante
de uma parada militar: não conseguia admirar quem pensava com a medula. Dirigir
nossas emoções, escolher os motivos das nossas admirações, também é tarefa
educativa. Ser educado é saber distinguir entre o próprio Einstein e o famoso
Duque de Caxias, modelo escolar de militar disciplinado ou de um bom
funcionário das armas.
Essa greve nos remete à
constatação da necessidade policial, de bons policiais certamente, mas nos leva
a pensar em como seria um mundo sem polícia ou sem nenhum tipo de funcionário
das armas. Mundo sonhado, cantado, dançado, em que o corpo seja lugar para a
ternura e carinho e nunca instrumento para causar dor. Muito se escreveu sobre,
mas ainda é preciso sonhar. A utopia de um mundo melhor deve inclusive ser mais
do que sonho. Deve ser o grande projeto, mesmo se inalcançável, que oriente as
nossas pequenas, cotidianas e alcançáveis metas.
Feira de Santana, 10 de fevereiro
de 2012
*Marcos Monteiro é assessor de
pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da
Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do
Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica
Latino-Americana do Brasil
CEPESC – Centro de Pesquisa,
Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com.
Fone: (71) 3266-5526.
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