sexta-feira, 12 de agosto de 2011

DO CONHECIDO INVIÁVEL AO INÉDITO VIÁVEL

Marcos Monteiro* 

Inúteis e inviáveis, as medidas contra a crise de 2008 não evitaram a crise de 2011, simplesmente porque a crise não é meramente cíclica ou aleatória, mas sistêmica e estrutural. Em outras palavras, não há crises no sistema econômico e político global, a crise é o sistema. Infelizmente, a esquecida e antiga polaridade reforma-revolução talvez seja parte da polaridade maior caos-cosmos. Não há caos sem cosmos nem cosmos sem caos, o que põe a incerteza e a imprevisibilidade na ordem do dia. 

Sempre existem os manuais de receitas prontas para tudo e as ciências humanas tem a tendência de organizar suas proposições em cardápios. O problema é que antigas receitas não produzem novos sabores e o mundo cada vez mais exige respostas novas para antigos e novos problemas. Diante do processo civilizatório, dificilmente podemos nos sentir mais do que cobaias humanas de doenças terminais testando infinitamente os mesmos remédios ineficazes. 

O novo remédio para a crise mundial estaria próximo daquilo que Paulo Freire chamou de “inédito viável”. Sua vida e sua obra foram marcadas pela busca de um socialismo inédito, distante da sloganização, do sectarismo, do elitismo e das polarizações que tentam reduzir o real a um conjunto de regras. Para ele, o “inédito viável” seria o caminho para superar as “situações-limites”, transformando-as, de certo modo em situações-desafio. Sua esperança apontava sempre para a possibilidade de um mundo melhor. Nunca como uma espécie de determinismo teológico ou filosófico, mas como possibilidade histórica, em que o processo educativo se tornaria indispensável. 

A expressão “inédito-viável” pode jogar o jogo da linguagem ao lado do “inédito-inviável” e do “conhecido-viável” contra a força avassaladora do “conhecido-inviável”. Essa nova crise (nova?) tem os mesmos elementos de sempre, bula examinada e seguida com cuidado, como se a doença não fosse incurável. É o velho “conhecido-inviável”. Nas periferias desse macro-sistema e até dentro do mesmo, uma série de experiências menores, muitas vezes desprezadas ou consideradas insignificantes, com novos elementos e novos e promissores resultados, que poderíamos colocar dentro do âmbito do “conhecido-viável”. As grandes utopias, descrições de mundos absolutamente perfeitos, configuram o “inédito-inviável”. Mas ainda há pequenas e grande soluções não tentadas que podem dar certo; estas são o “inédito-viável”. 

Os analistas da crise atual informam que em menos de uma semana, cerca de três trilhões de dólares simplesmente desapareceram, pelo efeito dominó das quedas das bolsas. E assim, o mundo está mais pobre, mais desigual, mais inseguro e mais instável, suscetível a conflitos de todos os tipos. 

O mundo inédito de Paulo Freire não é um mundo sem nenhuma violência, sem nenhuma pobreza, sem nenhuma desigualdade, sem nenhuma injustiça. Esta seria a grande utopia, inédita e inviável, mas que pelo menos nos lança na busca desse horizonte inalcançável. Afinal, como dizia o poeta, o horizonte serve para isso mesmo, para nos fazer caminhar. 

Mas, se nos tornarmos caminhantes de utopias, não temos o direito de desanimar da caminhada nem de deixar de construir caminhos. Assim, o mundo, inédito mas viável, pode se tornar menos feio, menos desigual, menos inseguro, menos violento, mais parecido com o mundo sonhado por Paulo Freire, “um mundo em que seja menos difícil amar”. 

E aqui está posta uma esperança que é, ao mesmo tempo, diagnóstico. No mundo atual, o amor é coisa difícil, mercadoria de consumo que, mesmo transformado em coisa, é difícil de adquirir. Na Atenas de Platão, o amor poderia ser considerado de várias maneiras: fonte máxima de beleza, estrutura cosmológica responsável pela harmonia do mundo, força da natureza impossível de ser vencida (nem mesmo pelos deuses) ou escada de ascensão educativa para a contemplação do belo, verdadeiro, bom e justo. Se os comensais desse famoso banquete estiverem com a razão, a estrutura atual do mundo tenta reduzir o mistério do amor a produto de consumo. 

Nesse tempo, então, cabe o encontro em que todos os amantes do amor, vestidos com suas roupas festivas, saiam em procissão solene ou em carnaval dançante, acendendo suas pequenas velas, seus pequenos amores, como quem semeia centelhas na esperança de deflagrar incêndios que destruam esses antigos e inviáveis esquemas, para que surjam espaços para esse mundo um pouco melhor para o amor. 

Feira de Santana, 12 de agosto de 2011. 

*Marcos Monteiro é assessor de pesquisa do CEPESC. Mestre em Filosofia, faz parte do colégio pastoral da Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA. Também faz parte das diretorias do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr. e da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil CEPESC – Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. E-mail cepesc@bol.com.br, site www.cepesc.com. Fone: (71) 3266-0055.

3 comentários:

  1. Marcos,
    quanto tempo perdi até descobrir o seu blog através de um novo membro do "Canteiro" (o Nelson). Tinha reservado a manhã de hoje para pôr em dia algumas coisas, mas já vi que precisarei fazer isso numa outra ocasião. Não consigo e não quero parar de ler seus textos.
    Este que comento, me despertou um desejo imenso de re-visitar o Paulo Freire. Bom demais.
    Abração

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  2. Marcos,
    Gosto da forma como vc brinca com as palavras e dialoga com diversos autores de áreas diferentes. Jamais relacionaria a crise atual com as teorias de Paulo Freire, Eduardo Galeano e muito menos com o amor. Quando li seu texto lembrei da fala do prof. Renato Janine Ribeiro, sobre colocar o afeto na política. Fiquei analisando como a afetividade se retirou de várias áreas, estamos vivendo num mundo cada vez mais impessoal, e menos natural. E por que não colocar o amor na economia, na educação e em outras áreas? Quem sabe assim o mundo parecesse ” menos feio, menos desigual, menos inseguro, menos violento[...]”o inédito viável.

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  3. Caro Marcos,
    Fico muito feliz em acessar este texto com "tempero freireano"; certamente assim o mundo fica mais bonito.
    Forte abraço amigo.
    Bonfim Costa Sousa
    Teólogo/Pesquisador

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