segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Quem tirou o pedaço da lua?

O resultado final não saíra como o planejado e na reunião de avaliação todo o mundo tentava se explicar, mas ninguém assumia nada. Trabalho coletivo, solidariedade humana, esforço em mutirão, e a nova escola da Vila Maravila estava terminada, mas com visíveis defeitos na construção.

A tendência humana de defender a sua participação e procurar problemas na participação dos outros aparecia a cada momento nas falas de cada um e parece que Mãe Silícia estava ficando um pouco cansada disso tudo.

Mesmo Paranísio, de quem a Vila inteira sempre esperava a atitude mais corajosa e mais sensata, parecia se perder em um mar de explicações, dessas que não explicam nada, com a conseqüente ou inconseqüente implicação de que as falhas são sempre dos outros, como se fôssemos, cada um, infalíveis.

Nesses momentos, os provérbios que aparecem pela boca de Mãe Silícia são de uma simplicidade encantadora, mas de um alcance que sempre provoca a minha reflexão. Mãe Silícia raramente diz mais do que aquilo que diz. Um certo comedimento no falar, como quem mede tecido para corte de roupa nova, ou mede farinha de trigo para bolo de festa.

- “Todo mundo é bom, mas a lua falta um pedaço...”

Há algo de imperfeito na perfeição da vida que é parte da própria vida. Há momentos em que a lua está menor... falta um pedaço... e a imaginação popular associa isso à própria imperfeição humana. Como se, de alguma forma, o cosmos que somos nós e o cosmos em que somos, estivessem ligados. A frase de Kant, “a lei moral dentro de mim e o céu estrelado acima de mim” liga céu e terra, ser humano e cosmos, em um vínculo formal indissociável, do mesmo modo que o dito popular.

Parece que poderíamos aplicar o provérbio trazido por Mãe Silícia à avaliação em pauta, da seguinte maneira: - “Todo mundo é bom, mas a escola continua com problemas estruturais”. Ou seja, não podemos e não precisamos evitar de assumir a responsabilidade por tarefas que nos dizem respeito. No caso do provérbio, até por aquelas que aparentemente nada têm a ver conosco.

Descobrir quem tirou o pedaço da lua parece ser tarefa monumental, dessas impossibilidades que nos lançam em caminhadas inúteis. Também é inútil consertar a lua, tarefa que muitos de nós às vezes queremos assumir. O melhor, às vezes, é deixar a vida seguir o seu curso e observar surpresos que a lua reaparece inteira novamente. Alguém devolveu o pedaço que tirou...

Se quisermos juntar coisas tão destoantes quanto informações da ciência e provérbios populares, duas lógicas bem diferentes, podemos lembrar que é a terra humana que esconde parte da lua dos humanos, interpondo-se diante da luz do sol. Ou seja, seríamos todos culpados do sumiço do pedaço da lua...

O mais importante, porém, é lembrar que a falha na lua é símbolo de nossa falibilidade, o que pode nos ajudar a pensar a vida não em termos fixos, mas através de seus processos.

Fases da lua e fases da vida põem o transitório em pauta. As nossas falhas pessoais nos tornam mais responsáveis, mas também mais humanos, especialmente quando exercitamos a transparência, a coragem de nos mostrar do jeito que realmente somos.

Talvez, o melhor mesmo é aceitarmos a totalidade da vida em seus processos e contemplarmos a lua com pedaço ou sem pedaço, transformando tudo isso em poesia.

Talvez não haja conserto para as falhas da estrutura do edifício escolar e precisemos levar isso com leveza, quase como uma brincadeira. Talvez a função dessa falha estrutural seja somente essa: lembrar a nossa falibilidade.

Então, poderemos nos surpreender com a nossa capacidade de tirar o melhor possível de tudo, até das falhas, e transformar os erros em caminhos de aprendizado e de criatividade.

2 comentários:

  1. Aii... queria tanto comentar... mas esse eu não consigo...
    Obrigada por vc existir!

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  2. Aprender com a natureza que a incompletude é parte da vida, assim como a inpermanencia e caminhar com poesia e perseverança para os momentos de plenitude e alegria. Para a lua cheia...

    Estou me deliciando com o Vila Maravila e contente de lhe ter conhecido ao vivo e a cores,

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