terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Invadindo jardins

Gn 3, 23-24.

“Javé, por isso, o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a terra de que fora tomado. E expulso o homem, colocou querubins ao oriente do jardim do Éden, e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o caminho da árvore da vida”

Toda criança hebraica e agora toda ou quase toda criança ocidental sabe que o mundo não é nenhum jardim, mas sabe que existe em algum lugar um jardim. Lugar especial em que trabalho não é castigo, em que a vida não se pare com dores e os casais podem caminhar nus.

Nesse paraíso de animais amigos, que Deus escolhe quando quer passear, é preciso ainda tomar cuidado, não com a peçonha, mas com a língua, mais venenosa do que veneno, das cobras falantes. Pois mesmo o melhor do paraíso tem os seus senões.

Expulsos do paraíso, esta terra, cheia de espinhos, é a nossa terra, da qual precisamos de cuidar, mesmo que doa. Mas toda criança e a criança que carregamos aqui por dentro, tem saudades do paraíso, não do antigo, mas desse que está em algum lugar por aí e com que de vez em quando nos deparamos.

Nesses momentos, é preciso aproveitar qualquer distração de anjos e de espadas mortíferas para invadir paraísos, para roubar frutas, cercadas e defendidas, proibidas para todos. Então, é preciso ser afoito e transgressor e não aceitar espadas de anjos nem castigos de deuses.

Todas as crianças bem comportadas imaginam paraísos, mas somente as crianças mal-comportadas conhecem de verdade alguns deles. Às vezes, apanham, ou levam carreira de anjos zangados com suas armas extravagantes, mas carregam na lembrança e na língua o doce proibido da fruta, somente imaginado por quem não ousa.

No paraíso não há igrejas de padres e pastores resmungões, nem lista de mandamentos. Talvez, por isso mesmo é que Deus gosta de passear por lá. O paraíso é o lugar do amor sem tabus, dos corpos nus se abraçando, sem culpa e sem vergonha.

Por isso, não é de se admirar que os casais de namorados, aqueles que insistem em ser crianças sempre e que gostam de arreliar com anjos, aproveitem qualquer cochilo para percorrer essas pairagens e voltarem ao tempo dos tempos, e gastarem todo o tempo, sem culpa e sem vergonha, desfrutando de amores inimagináveis.

É por isso, também, que de vez em quando, casais de namorados têm de juntar suas roupas muito rapidamente e sair correndo de anjos que acordam de seus cochilos e saem brandindo suas espadas flamejantes, furiosos com os amantes que ousam invadir os paraísos.

Invadir jardins é destino de amantes que continuam a ser expulsos de paraísos, por não aceitarem decretos de deuses. Invadir paraísos é destino de corpos que ousam amar, que afrontam os perigos pelo direito do mistério do amor.

Um comentário:

  1. Lindo texto. Tenho também acredito invadimos mesmo o paraíso qdo apaixonados. Lígia Fagundes Teles tem um texto que fala disso: "os apaixonadaos voltaram ao Jardim do Paraíso, provaram da árvore do conhecimento e agora sabem."

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