quinta-feira, 7 de outubro de 2010

PRINCÍPIO PROTESTANTE E AMBIGUIDADE DA VIDA

O Reino de Deus deve ser considerado, especialmente em Paul Tillich, como o principal símbolo capaz de responder à pergunta pela vida sem ambigüidades.

A estrutura ambígua da vida encontrada tanto na auto-integração, auto-criatividade e auto-transcendência que lhes são próprias, são momentos da própria ambigüidade originária, a ambigüidade vida-morte.

Entretanto, mesmo essa resposta precisa encontrar no princípio protestante sua vigilância e contenção. Pois o princípio protestante, presente em todas as igrejas cristãs, é o que garante a autonomia da transcendência divina, opondo-se a toda tentativa de transformar representações do divino na própria divindade. Mesmo só podendo ser considerado juntamente com a substancia católica, a qual garante a presença da transcendência em todas as suas representações, o princípio protestante vigia e limita tais representações, mantendo-as no campo da finitude.

“É protestante, porque protesta contra a auto-elevação trágico-demoníaca da religião e liberta a religião de si mesma para as outras funções do espírito humano, ao mesmo tempo em que liberta essas funções de sua auto-reclusão contra as manifestações daquele que é último.” (TILLICH, Paul. Teologia sistemática. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 571).

“Reino de Deus”, portanto, também é um símbolo religioso que deve ser libertado da religião. Como símbolo, tem um alcance político, social, individual e universal. Tendo como maquete um “reino”, o acréscimo “de Deus” atesta a incapacidade humana de alcançar o que se propõe ou a ambigüidade de uma vida que é positividade e negatividade, no mesmo momento.

”Seres vivos” são também “seres que estão morrendo”, e apresentam características especiais sob o predomínio da dimensão orgânica. Esse conceito genérico de vida é o molde segundo o qual o conceito ontológico de vida foi formado.” (Id., p. 393).

Vida, portanto, é binômio vida-morte, lugar de definição filosófica de vida como “atualidade do ser”. A vida é resultante da dinâmica da vida, ou da potência de vida, a capacidade da vida viver. Afirmação que se produz a si mesma como auto-integração; que se gera a si mesma como auto-criatividade; mas que se ultrapassa a si mesma como auto-transcendência.

Pela auto-transcendência, a vida se lança a conquistar a sua negação, a morte. O símbolo “Reino de Deus” integra tanto o símbolo “Espírito de Deus” quanto o símbolo “vida eterna”, adequados para nos conduzir a uma vida sem ambigüidades. O princípio protestante nos alerta para que a substancialidade existentes nos símbolos não ultrapassem os limites, mantendo a autonomia absoluta do divino a todo momento, não permitindo a auto-glorificação de nenhuma igreja pela coisificação da revelação ou da salvação.

“O Princípio Protestante (que é uma manifestação do Espírito profético) não está restrito às igrejas da Reforma ou a qualquer outra igreja; ele transcende toda igreja particular, sendo uma expressão da Comunidade Espiritual. Ele foi traído por todas as igrejas, até mesmo pelas igrejas da Reforma, mas continua efetivo em toda igreja como poder que impede que a profanização e demonização destruam completamente as igrejas cristãs. Ele sozinho não basta; precisa também se juntar à “substância católica”, que é a incorporação concreta da Presença Espiritual; mas ele é o critério da demonização (e profanização) dessa incorporação. É a expressão da vitória do Espírito sobre a religião” (Id., p. 571).

A vitória do Espírito sobre a religião proporcionada pelo Princípio Protestante garante a manutenção da ambigüidade da vida, mesmo em seu desejo de uma vida sem ambigüidade.

No nosso contexto atual, nos temas que têm como arcabouço a própria vida, essa ambigüidade precisa sempre ser lembrada contra toda tentativa de dogmatismo. O dogmatismo transforma a autonomia do sagrado em coisa, fácil de ser tornada mercadoria por força do sistema político e econômico regido pelo jogo de interesses predominantes na sociedade.

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