sábado, 9 de outubro de 2010

Escrever ou escrever

O escritor é um mamífero que escreve.

Boca sôfrega sobre seios e palavras à flor da pele escorrendo pelos dedos.

A língua sorve metáforas e os dedos ao toque da superfície fria de lápis ou teclado destilam textos.

O escritor escreve com jeito; ou sem jeito.

Escreve porque é o jeito; ou porque não tem jeito. Trejeito de escritor.

O escritor escreve para vencer o tédio; ou para nunca escapar do mesmo. Por angústia ou por preguiça.

Os lábios do escritor estão sempre abertos, desejo de vida e desejo de nada, fenda para turbilhões ou vórtice vazio.

Todo escritor é um velho que não pretende desmamar.

Para escrever é preciso enrugar o cenho e manter o dedo na boca. Ou o médio ou o polegar.

Com a sobra de dedos, conduzir a procissão dos séculos para o desfile das palavras.

As palavras são desobedientes; não se agrupam em manadas e estiram a língua para os soldados da ordem.

O escritor é um mamífero obsceno. Toda palavra escrita é um atentado ao pudor.

As palavras tem mania de tirarem as roupas em qualquer lugar para se exibirem. E o escritor suga lentamente as palavras nuas, deixando-as escorrer pelo canto da boca.

Todo escritor deseja algum dia escrever um texto somente de palavras do canto.

As palavras do canto cantam; e escorrem como leite do bico de seios para a boca ávida do mamífero escritor.

3 comentários:

  1. Eh meu primo te achei! Perdi meus endereços de emails, daí te encontrei no Twitter, aliás me add lá pra eu poder te enviar mensagens diretas. Também tenho um Blog da Lucia http://luciareali.blogspot.com

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  2. UFA!
    Quee texto!
    Nossa, estou arrepiada, adoro qualquer texto que tente descrever o que é a escrita para quem escreve, essa metalinguagem me excita!

    E você Marcos, é um exímio escritor, mas não é domador de palavras, porque elas contigo tem liberdade...O léxico se entrega aos teus dedos.

    "Escreve porque é o jeito; ou porque não tem jeito."
    Perfeiito!
    Abraços.

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  3. Quanto intensidade, a escrita tem mesmo este poder de incendiar, de ericar,de excitar
    Adélia Prado diz num verso que:
    "Quem entende a linguagem entende Deus
    cujo filho é verbo. Morre quem entender"

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