segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Uma colheita de pedras

Em seu jeito rude, Seu Dolivaldo chega a ser ríspido com as palavras, a um passo ou meio da ofensa moral e Maria Nilda, em seu jeito meio lânguido, mais pra romântico que pragmático, trouxe mais uma historinha de Jesus, com o visível intento de lançar a carapuça.

– Jesus vinha vindo pela terra, sabe, e encontrou um fazendeiro feioso que estava plantando. Aí, Jesus perguntou: “O que estás plantando?” e sabe o que o homem respondeu? “pedras”. Então Jesus falou assim pra ele: “Pedras plantais e pedras colherás!”. No outro dia de manhã, quando o homem foi olhar sua roça, tinha uma plantação de pedra maior do que essa vila e mais dura do que sua cara feia.

Não quero comentar nem o barraco armado nem a cara de Seu Dolivaldo, nem o dengo de Maria Nilda, mas fico pensando sobre o valor encontrado nesse evangelho popular meio mítico e misterioso e de sua ampla utilização pelo nosso povo.

Esse Jesus nordestino também amaldiçoa e traz palavras pesadas como pedras para quem tem a mania de plantar pedras. Essas palavras do evangelho de que o homem colhe o que semeia (Gl 6,7) é transformado em lei da linguagem e das relações humanas. Quem joga palavras como quem joga pedras está preparando o seu próprio apedrejamento.

Seu Dolivaldo e Maria Nilda tem duas maneiras de usar as palavras, mas não tenho certeza se a história contada por ela não foi uma pedrada cuja mira apontava cuidadosamente para a cabeça daquele. As pedras não precisam ser pontiagudas, quando lisas, arredondadas e coloridas, também causam danos e provocam acidentes; até mesmo morte.

Muitas são as vítimas das pedradas atiradas e alguns de nós somos sobreviventes de apedrejamentos lingüísticos. Por outro lado, algumas palavras nos formaram ou ajudaram a formar enquanto pessoas, de modo sistemático e positivo.

Também somos lançadores de palavras que, como bumerangues, retornam sobre nós mesmos. Palavras são sementes que plantamos nos campos das relações afetivas. Somos agricultores, cuidadosos ou descuidados, e vamos descobrindo que colhe flores quem planta flores e colhe pedras quem planta pedras.

2 comentários:

  1. A sabedoria popular, né Marcos, sempre norteando as caminhadas teológicas e mesmo científicas. Bourdieu agradece.

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  2. Jeyson, tentando aprender a caminhar por todos esses caminhos. Vamos em frente, amigo, saudades...

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