Marcos Monteiro
Ontem, antecipamos a festa do aniversário
de 95 anos de minha mãe, Honorina. Embrulhamos as idades em décadas e
comemoramos os fechamentos de modo diferente.
E, se a vida é um ciclo, aos cinquenta anos levamos o sentimento de cumprir
o tempo de ascender e começamos a cadência da descida. Mas, se por um lado, a
visão da morte no fim do ciclo começa a se tornar mais nítida, descobrimos, por
outro lado, a possibilidade de uma nova leveza, a desnecessidade de prestar
contas demais e a chance de viver com menos culpas. Então, na descida da vida,
ao nos sentirmos decadentes, somos convidadas à celebração da decadência.
Neste ano de 2020, duas décadas fechadas do
século XXI, três matriarcas de minha família completaram diferentes décadas,
com celebrações especiais em datas diferentes. Minha tia, Miriam Lemos, a mais
nova e mais linda das filhas de vovó Mariquinha (exceto minha mãe em seus 95
anos, a cinco do centenário que comemoraremos) fez oitenta anos. Minha irmã
mais velha, Ana Maria, em sua digna e bem humorada maneira de mandar em todos
nós, fez setenta. E minha irmã mais nova, a mais linda e fascinante de todas
as matriarcas da família, completou sessenta anos e celebramos muito sua
decadência. Hoje, a minha matriarca mais amada, Honorina, completa 95 anos, com
o olhar bem aberto, e com músicas e conhecimentos bem escondidos de nossa
inesgotável curiosidade.
Faço parte de uma família nordestina,
elegantemente matriarcal, e sou um dos chamados “manicacas”, no idiomês
potiguar, homens dominados pelas mulheres, com muita honra. Completarei
sessenta e nove anos, em outubro, vivendo alegremente minha inexorável
decadência. Fui descobrindo surpreso, nessa Era do Coronavírus, nessa Idade do
Bolsonauro, que pertenço ao grupo de risco.
No início pensei que seria o risco maior de
ser contaminado, mas fui percebendo pouco a pouco que levo o risco de
contaminar a humanidade com a minha dança decadente. Logo no início da
quarentena, apelidado decentemente de “isolamento social”, andei inocente à
procura de uma farmácia para comprar medicamentos, e alguém, jovem, num
automóvel qualquer, gritou “vá para casa, seu velho idiota”. A partir desse
dia, comemoro a minha decadência em casa, saboreando feliz meu cuscuz com ovo e
meu feijão com arroz, preparado por minha filha.
Tenho pensado, desde então, dos riscos que
trazemos, o perigo de contaminar mais e mais pessoas com lembranças e
esperanças. Talvez não seja o contágio do vírus o que mais assuste os outros.
Cada vez mais socialista (nenhum decadente
perde fácil suas manias), sou testemunha de uma história que sempre usou o medo
de nossa crítica radical do capitalismo para mais fortemente oprimir as vítimas
desse sistema maligno. A ditadura, essa que dizem que nunca existiu, usou o
pretexto do combate à nossa mensagem de esperança, para mais torturar e mais
vitimar as populações vulneráveis. E cada vez mais cristão e cada vez mais
pastor, com as devidas ressignificações que a cadência da vida me propôs, sou
provavelmente mais perigoso ainda, por saber de uma igreja evangélica tão
alienada, omissa, preconceituosa e intolerante quanto a atual.
Apenas menor e com menos poder público, a
igreja evangélica celebrou a ditadura militar com uma voracidade feliz. Mas,
nessa ciranda da decadência, posso também testemunhar que havia resistências,
corajosas, belas, que pagaram preços altos por viverem a fé, o amor e a
esperança até as últimas consequências.
Bem, mas hoje minha matriarca Honorina
completa noventa e cinco anos e sei que o matriarcado carrega forças e
segredos, aliados a uma gentileza e elegância sutis. No meu deslizar pelas
décadas, minha esperança socialista é cada vez mais matriarcal: a revolução
virá das mulheres. Na minha família, todas as mulheres ocupam lugares
estratégicos, e sei que na hora que decidirem, nós, os manicacas (assumidos ou
não), seremos compelidos a melhorar o mundo.
A bênção, minha mãe, minha matriarca
lindíssima, em seus silêncios de olhos vivos, escondendo na profundidade de seu
corpo e de sua alma, danças, músicas, hinos, poemas, versículos, mensagens
infinitas de graça e de alegria, convite a uma ciranda sideral de celebração da
decadência. Feliz aniversário.
Recife, 05 de julho de 2020.
Parabéns família abençoada
ResponderExcluirRindo muito com esse texto, parabéns a todas essas mulheres.
ResponderExcluirMaravilhoso!! E ela merece.
ResponderExcluirDeixei um comentário lá face.
Saudades.
Parabéns dona Honorina!
ResponderExcluirParabens D.Honorina. Mulher exemplo q soube dar ao mundo seus filhos, seres humanos diferenciados, da melhor qualidade. Deus te honre agora e sempre. Sinto por não poder conviver presencialmente com tds vcs
ResponderExcluirFeliz aniversário e parabéns! Um abraço e um cheiro em Dona Honorina.
ResponderExcluirAqui liberando meus neuropeptídeos e ativando a dopamina e a serotonina. Reflexão bem humorada e própria da decadência animada nos seus contornos. Mulheres em seu lugar! Mães de filhos reconhecidos e amorosos. A bênção D. Honorina!
ResponderExcluirParabéns, muitas bênçãos do nosso bom Deus na vida de dona Honorina!!!🎊🎊🎊
ResponderExcluirMuito lindo irmão. Nas lembranças que me afetam tem uma que dói, quando dei uma péssima impressão a você, no desejo de não ser vista como forte e mandante em um serviço de coordenação na peregrinação do Piauí. Eu sempre soube desse mal entendido, mas nunca soube resolver. Essa quarentena tem trazido a tona mais do que podia perceber em tempos pré pandemia. Amo seu jeito de escrever, sinto-me tão perto das cenas que seus textos montam... Gratidão
ResponderExcluirSou Cris peregrina
ResponderExcluirCris, que privilégio sua resposta nesse blog... Eu só creio que você tinha o direito de rejeitar... E as lembranças que guardo de você são todas belíssimas...
ExcluirNa minha decadência de 71 anos, você me presenteou com o honroso título de nanica. Minhas mulheres, entenda-se, esposa e cinco filhas, são lindas matriarcas. E haja netos e bisnetos. Parabéns a dona Honorina. Que texto edificante e divertido. Obrigado, Marcos.
ResponderExcluir... manicaca
ExcluirParabéns, dona Honorina, pelos seus 59 anos bem vividos!
ResponderExcluirA senhora merece as filhas e os filhos que têm e que fazem tanto bem ao nosso coração, juntamente com a senhora!
Não é todo mundo que tem um filho que brinca assim com as palavras!
Só não entendo a razão de o algoritmo estar assim tão atrasado no tempo: agora já são 22h13! Deve ser "culpa" da inteligência humana!
ResponderExcluirParabéns Marcos! Parabéns Dona Honorina! Felicidades!
ResponderExcluirParabéns D.Honorina ! Que Deus a abençoe com seus anos de vida ; e que venham mais e mais . Felicidades ...
ResponderExcluirParabéns D.Honorina, pelos seus anos de vida ; Que Deus a abençoe, e que venham mais e mais ; Felicidades ...
ResponderExcluirParabéns Dna Honorina, pela vida, pela familia. A você Marcos Monteiro, sou um dos seus abençoados ex-alunos da EBD na I.B.C (Recife), onde colhi muitos momentos de sabedoria transmitidos por você. Parabéns. Grande abraço. Beto Sales.
ResponderExcluirQue texto meu primo! Tia Honorina é exemplo de mulher forte. E tenho um orgulho danado! Corre em minhas veias, o DNA do sangue dessas mulheres maravilhosas de nossa família. Eita que também sou a matriarca dos meus irmãos....hehehe todos manicacas.
ResponderExcluirBem, Lucinha, eles devem ter o mesmo prazer que tenho de ser manicaca...rsrsrs
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