quarta-feira, 16 de outubro de 2019

EXISTÊNCIA E INEXISTÊNCIA DE ERIC MONTEIRO FEITOZA




Marcos Monteiro

Domingo celebramos 43 anos da vida de Eric e na terça-feira seguinte choramos a sua morte. A passagem dos risos às lágrimas, da alegria à dor, da existência à inexistência, nos veio como um choque, notícia devastadora, dessas que nos lançam em sofrimentos desconhecidos e reveladores. O menino que ficou adolescente, que casou com Leu e que virou pai de João Mateus e de Deric, terminou seu tempo e foi inventar outros tempos em outros espaços. Seu sorriso fácil, seu humor irreverente e sua criatividade aguda não mais nos pertencem, estão pendurados em outros varais, num outro tipo de quintal.


Um ser humano inimitável tornou-se um inexistente, o que significa talvez a capacidade de escolher uma ou mais inexistências, entre tantas disponíveis. Pode muito bem estar agora em Pasárgada e, sendo amigo do rei, escolher cama e mulher, claro que parecida com Leu. Ou na Terra de São Saruê, com seus rios de leite e ribanceiras de cuscuz, em que plantações de ovos, já estrelados, oferecem a mistura para completar o café da manhã.

Sou sampaulino convicto e Eric era o sobrinho que tinha a lucidez e a coragem de torcer pelo São Paulo em casa de corintiano. Foi assim que aprendeu a enfrentar injustiça, preconceito, desigualdade, exploração e opressão, com obstinado bom humor. Tinha facilidade de amar e ser amado e, namorado apaixonado da justiça, andava de mãos dadas com a diva, pelas ruas e avenidas da grande cidade.

Meu sobrinho, Eric Monteiro Feitoza, filho de Áurea Marta e de Gutemberg, e irmão de Sérgio Daniel e de Jônatas. A sua festa de tanta vida nos deixou exultantes, comidas, conversas, sorrisos, e agora você é um inexistente. Imagine o tamanho de nossa dor. Dentro da nossa tradição cristã, você pode caminhar por algumas das nossas inexistências de desenho bíblico, como a Nova Jerusalém que desceu do céu, ou como a que Jesus chamava de Reino de Deus e tentava nos fazer entender tantas vezes.


Na nova Cidade Santa, você vai caminhar por ruas de ouro, ou seja, vai ter o prazer de pisar aquilo que vem pisando a humanidade na história. Ouro serve de adorno ou de asfalto, ou de material para construção de coisas úteis, nunca para ostentação e acumulação. Se sair procurando, não vai encontrar nem templos nem palácios, vai encontrar praça. Como bom socialista vai transitar bem em um mundo sem igreja, sem estado e sem eleição para escolher dirigentes idiotas, porque a praça é do povo e quando o povo governar vai ser desnecessário ficar brigando contra tiranias em whatsapp e facebook e frequentar manifestações contra o arbítrio, levando os dois filhos nos ombros. Era muito bonito de ver todas essas suas atividades aqui.

Na inexistência chamada de Reino de Deus, o único nome santo é o de Deus e nunca vai ser utilizado para autorizar pastor ou político a imbecilizar e oprimir o povo. Deus é o Pai nosso do pão nosso, do amor nosso, da esperança nossa, e fé nunca será sinônimo de violência, tortura, racismo, machismo, homofobia, injustiça. Vida, igualdade, alegria, poesia, saúde, serão de todas e todos, nessa inexistência em que a paz e a justiça andam juntas. O Reino de Deus será o abrigo de pobres, mansos, famintos de justiça, sofridos e perseguidos. Assim, se estabelecendo como Reinado da Igualdade.


Talvez você esteja nos observando em sua inexistência em mundos paralelos e se enterneça com as nossas trapalhadas, dê gargalhadas de nosso destempero e se comova com a nossa saudade. Mas conheço o recado que ainda nos quer passar e já foi dado na véspera do seu aniversário.

“Nunca desejo vida longa a ninguém. Sempre desejo vida feliz, seja a vida longa ou breve.
Até porque é mais difícil ter uma vida feliz do que ter uma vida longa.
Que a vida seja feliz e que as felicidades nunca sejam breves, mas longevas o máximo possível”.

Então, esse é o desafio que a saudade de sua vida nos propõe. Que alcancemos uma vida feliz, cheia de longas felicidades.

Recife, 16 de outubro de 2019.


13 comentários:

  1. Marcos querido, estive pertinho de Eric lá no templo em Pau Amarelo. Meu abraço em vocês, dei no Pedro que conheci naquele momento. Seu texto é uma bênção. Li querendo muito aprender algo sobre Eric e sobre todos nós. Muita paz!

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  2. Lamentamos sua perda, é triste ver alguém partir um assim, inesperadamente como sempre e cedo.

    Receba o nosso abraço!

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  3. Transformar dor em poesia é uma arte! Eric deve ser uma dessas pessoas que será (re) lembrado sorrindo... abraço Marcos

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  4. Que o Senhor vos console! Uma perca é algo tão doloroso! Que bela homenagem e que texto profundo!

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  5. Que homenagem linda Marcos! Tuas palavras descrevem Eric na exatidão. Espero imensamente que ele logo possa se encontrar com meu pai Rubens, já imaginou esses dois juntos discutindo Marx e metendo a boca no Bozo? Eu acredito também, que Deus o escolheu porque estava precisando de um mensageiro cristão socialista, apaixonado por rock pra dar uma revolucionada lá no céu. Vai chegar pedindo LulaLivre e Fora Bozo., hehehe. Ah...lembrar de Eric me traz um sorriso ele era muito verdadeiro em suas colocações, fazia a gente refletir, mas sempre com uma ponta de humor. Eric está voltando pra casa e sei que lá não mais angústias, dores e tristezas. Como a canção posso dizer que Eric nos manda o recado sobre a sua viagem:

    "- Olha quantas aves brancas, minha poesia, dançam nossa valsa pelo céu que um dia fez todo bordado de raios de sol. Oh poesia, me ajude vou colher avencas, lírios, rosas dálias pelos campos verdes que você batiza de jardins-do-céu..."

    Lucinha, Porto Alegre, 17.10.2019

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  6. Bela homenagem Marcos.
    Um abraço bem apertado.

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  7. Um abraço fraterno. Linda homenagem. Bem haja.

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  8. Poesia de esperança em tempo de dor, só os excelentes conseguem isso, parabéns por sua reflexão pr. Marcos, e meus sinceros sentimentos a todos e especialmente à família. Forte abraço.

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  9. Meus sinceros sentimentos para todos familiares e amigos! Linda homenagem .🙏

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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