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Marcos Monteiro
Era a mesma padaria de todo dia, o mesmo caminho com Seu
Jorge, em seus oitenta e seis anos, mas a irritação era nova. Um dia depois de
uma eleição esquisita, na qual as razões se portaram de modo estranho, o
encontro de sempre com o sorriso de Melissa e do seu marido Antônio, não
conseguia desmanchar meu emburramento. E perdi um pouco do resto de controle
quando ela perguntou se eu votei consciente e votar consciente, para eles, era
eleger Bolsonaro. São pequenos comerciantes, um empreendimento desafiador, e
evangélicos, e sei que as igrejas são espaços complexos de empoderamento para
tantas direções.
Mas a ideia do “voto consciente” mexeu comigo. Pensei, a
partir de meus quase setenta anos, na tentativa de aprendizado de exercer uma
consciência política e evangélica, através da luta a favor dos grupos mais
vulneráveis da sociedade, mulheres, negros, homossexuais, crianças, população
de rua, sem terras, sem tetos e trabalhadoras cada vez mais sem direitos, e não
pude evitar de pensar que entre todas as banalizações dessa eleição, a
banalização da consciência talvez seja a mais dolorosa. Exercendo tudo que
aprendi sobre consciência, votei em Boulos no primeiro turno, e em Haddad, no
segundo, e voto diariamente em minha consciência cidadã, sem medo e sem ódio.
Há ameaças expressas em curso que podem atingir todas amigas
e amigos que apoio e uma delas tem um imenso valor simbólico. Paulo Freire pode
deixar de ser o patrono da educação brasileira, até porque ele foi um fracasso
como educador, é o que afirmam de modo descabido. Para Freire, a
conscientização se constitui tarefa educativa permanente, e migrar de uma
consciência semi-transitiva para uma consciência crítica é se tornar mais e
mais pessoa humana. Pode-se atribuir o voto evangélico a uma consciência mítica
e mística, de natureza ingênua, mas começo a pensar na existência da categoria
de uma consciência banal, a serviço de todo o tipo de manipulação.
A banalização se afigura como um processo contínuo,
atingindo pessoas, valores e instituições, e essa eleição talvez passe para a história
como o mais banal dos processos eleitorais. O candidato eleito banalizou o
discurso, de um modo que as famosas escolas da Grécia clássica, se sentiriam
afrontadas. Jaeger considerava Platão e Isócrates rivais em metodologia e
objetivos, mas respeitáveis em consistência. Ameaças descontroladas, promessas
descabidas, piadas grosseiras e ofensivas, misóginas, racistas, homofóbicas,
significaram a banalização da retórica em grau inimaginável.
Li programas banais, projetos banais, argumentos banais, e
assisti a debates banais e entrevistas banais. No balcão de objetos banais, a
justiça, a economia, a cultura, a política, a democracia e o evangelho, foram
oferecidos em rótulos bem minúsculos e a preço promocional. Lembrei que
banalidade é palavra que na Idade Média significava o preço que o servo
precisava pagar ao senhor feudal para o uso de um bem ou um instrumento
necessário, forno, moinho, lagar, algo que não possuía. A banalidade, portanto,
em sua origem semântica, é o preço que os despossuídos pagam aos proprietários
do planeta. Portanto, toda banalidade é perigosa.
Hanna Arendt descrevendo Eichmann, o famoso nazista
responsabilizado judicialmente pelo extermínio de seis milhões de judeus,
descreve o julgamento de uma pessoa de meia idade, com óculos, quase calvo, com
a aparência da pessoa comum que era. Uma pessoa banal com uma consciência ética
banal. Tinha exercido a virtude da obediência e sabia que seria condenado à
morte e esperava somente que não fosse considerado um monstro, porque no cotidiano
era bom pai e bom marido e nunca odiara nenhum judeu, mas obedeceria o Füherer
sempre. Se a sua obediência era a banalização da ética e do imperativo
categórico kantiano, a lição, segundo Arendt, que o julgamento traz é a da
banalidade do mal, o que causa obviamente mais insegurança à vida social.
A banalização da consciência é projeto necessário à
banalização da vida e à manutenção da desigualdade estrutural. O período
eleitoral tem se constituído em tempo de maior banalização da nossa democracia
e as igrejas têm se comportado como abençoadoras e aceleradoras de todo tipo de
banalização. Mas a luta pela conscientização e pela democratização de nossas
instituições não se resume às eleições. No âmbito da sociedade como um todo,
esse projeto é de uma educação popular continuada; no âmbito da igreja, é um
projeto de evangelização. Esses são os tempos em que vivemos, momento histórico
em que as igrejas são os espaços que mais precisam de evangelho.
Maceió, 13 de novembro de 2018.
"Momento histórico em que as Igrejas são os espaços que mais precisam do evangelho". Profético!.
ResponderExcluirA questão é se vamos conseguir reativar o discurso sério novamente, especialmente no meio evangélico apóstata.
ResponderExcluirAcho que a pergunta a ser feita é: Quando, em que tempo a igreja foi diferente disse que ela é hoje? A igreja como instituição sempre foi o lugar da acomodação ao estabilishmente, e do conformismo. Isso quando não foi a protagonista histórica de atrocidades.
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