segunda-feira, 7 de março de 2011

Rito e os seus gols adolescentes

O povo comenta na Vila a volta dos craques mais velhos chegando para jogar pelos times do Brasil. Rivaldo, amigo de infância de Cocada, fez um golaço pelo São Paulo, com direito a banho de cuia, e mostrou que ainda está em forma e reforçou a defesa de Cocada que sempre garante que ele é craque. Mas os olhos de todos estão em Ronaldinho Gaúcho e seu Flamengo, embora todo o mundo duvide que o Gaúcho teria lugar no time da Vila, o Maravila F.C., mesmo o atual, porque poderia até entrar no lugar de alguns dos titulares atuais, o que não seria fácil, mas ainda teria de convencer técnico e torcedores, diante do novo fenômeno do Vila Maravila F.C., Rito, o maravilhoso juvenil que completou essa semana 16 anos de idade.

Como prêmio de aniversário, Poeira o escalou para os quinze minutos finais. Condições para ser titular todo o mundo acha que tem, mas a gente sabe que é uma maldade expor um menino tão novo à sanha dos violentos zagueiros adversários. Deixe ele ir jogando, pegando malícia, se acostumando, aprendendo especialmente o pulo do gato para se livrar das botinadas. O jogo era contra o Ipiranga e decidia o primeiro turno do torneio desse semestre, que ainda não é o campeonato anual.

Quando entrou, tinha fita no cabelo e dentadura postiça, que usava quando imitava Ronaldinho Gaúcho, e todo o pessoal se preparou para as jogadas de efeito parecidas com a do craque que volta aos gramados brasileiros. Realmente aconteceram. Dribles habilidosos, passes para um jogador bem colocado, mas olhando para o outro lado, e chegou finalmente o momento de bater falta perto da área. Ritoninho Gaúcho, como gostava de se autodenominar nessas horas, se preparou e todo o mundo sabia de sua mania de imitador. Esperavam um chute de efeito, no ângulo esquerdo do goleiro, para repetir a cobrança do homenageado na decisão do primeiro turno do campeonato carioca, contra o Boa Vista.

Mas Rito, de bobo não tem nada, fez jeito de Ronaldinho, olhou o ângulo onde a bola havia entrado, e chutou quase rasteira, a meia força (somente o suficiente) para o lado oposto, no contra-pé do goleiro desconsolado, como desconsolados estavam todos os zagueiros, todos pulando para defender o ângulo, tão certos estavam das manias imitativas do fabuloso juvenil. Mas na comemoração do gol que deu a vitória a seu time, Rito puxou um trenzinho, a La Ronaldinho, comemorando em dança, criatividade e molecagem o lance decisivo.

Cocada vibrou muito, mas muito coçou a cabeça, preocupado com esse menino que ainda iria correr mundo. Cocada é o maior jogador do mundo, para todo morador da Vila Maravila, e só não joga em time grande porque não quer, nem gosta da idéia de concentração, ou de ser proibido de transar com sua mulata, Vânia, somente para disputar uma partida. Ele melhor joga quando melhor ama e o segredo do seu grande futebol está no corpo amado da amada, garante.

Pois bem, Cocada, anda acompanhando com cuidado o presente do Rito, pensando no seu futuro. Na Vila, o pequeno craque não consome “crack”. Uma das vitórias de Paranísio foi conseguir com muito esforço a cooperação do pessoal do tráfico, os chamados “companheiros do narcô” para não comercializar a droga dentro da Vila. E conseguiu. Foi o máximo que conseguiu, até porque a Vila ainda falta um “agá”. Quando se tornar socialista não falta mais nada, garante. Ou seja, a Vila será “maravilha”. O pessoal, meio na brincadeira, meio no pessimismo, diz que nesse dia a Vila será chamada Vila “Maravelha”. Mas, com Rito fora da Vila, por esse mundão de Deus, Cocada se preocupa com noitadas, farras e consumo de drogas a que os jovens jogadores são apresentados.

Rito já recebeu propostas para jogar fora do Brasil, mas ainda não aceitou. Talvez a influência de Cocada seja positiva. Cocada o colocou como sócio no seu armazém. Um sócio esquisito, que ainda ganha pouco e faz mandado o tempo todo e carrega todo tipo de carga. Cocada garante que isso faz bem à cabeça e ao físico, às vezes colocando o menino literalmente para correr de um lado para o outro da Vila, fazendo cobranças ou atendendo pedidos, a pé ou de bicicleta. Todo o pessoal acha que parte do preparo físico do menino vem desse “exercício comercial”

Como sócio, Rito ganha o suficiente para se vestir bem e bem se perfumar, como gosta o vaidoso moleque. Até porque não desgruda de Lúcia, de treze anos, filha do seu sócio, morena adolescente, deslumbrante em beleza e fascinante em inteligência. Nas cláusulas da sociedade, Cocada exige matrícula no colégio sem direito a reprovação, mas Rito começou a estudar de verdade quando começou a paquerar Lúcia (que Cocada não saiba) e a paquera se tonou namoro escondido do pai, que já marcou idade mínima para namoro da filha, quinze anos.

Cocada sabe ou não sabe desse namoro? De todo o jeito faz bem em não saber ou em fingir que não sabe, tornando mais saborosa a relação, supostamente proibida. Tudo isso faz pensar. Tudo indica que, por enquanto, Rito prefere a Vila em que Lúcia habita, do que o mundo do futebol lá fora, sem sua namorada por perto. O tempo decidirá o futuro desse garoto.

Paranísio, que nunca precisou doutrinar Cocada (que já nasceu socialista, garante), vive cercando Rito de textos e contando as histórias das grandes lutas da Vila para chegar onde chegou. Sua esperança é que Rito, enquanto futebolista, seja um difusor das idéias socialista que prega, e depois, quem sabe, talvez possa ser seu sucessor na presidência do Sindicato dos Ambulantes da Vila Maravila, o mais combativo sindicato do país.

Por enquanto, Rito se preocupa apenas em ser feliz do jeito que é. E felicidade, para ele, não existe sem bola nos pés. Tem tudo que um garoto da Vila podia desejar. Sócio no armazém, beijos e abraços da menina mais bonita do lugar, e principalmente lugar (de vez em quando, por enquanto) no maior time de futebol do mundo. Com Lúcia, todo dia é especial. Mas, no domingo, tem Lúcia e tem jogo. Gosta de jogar e de encantar a platéia. Afinal, a mais encantadora das torcedoras está lá, pulando o tempo todo, gritando o seu nome, para quem quiser ouvir.

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