segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Vavaval, o centroavante

Que o olho de Aroeira era especial ficou provado quando ele descobriu que Valgago ou Vavaval, o povo tinha a liberdade de escolher o apelido, podia jogar futebol e se tornar o grande centroavante do Maravila F.C., o que ele conseguiu por seis meses. Valdomiro da Silveira Santiago fazia jogadas magistrais e errava lances bisonhos, comprometendo o time exatamente no momento que mais se necessitava. Ele explicava, porque era uma figura leve e de bem com a vida, que era por que ele era tototodo gago e gago era assim mesmo, acertava o tempo todo, mas quando errava não saía do lugar e enganchava a linguagem e a paciência dos ouvintes, deixando de concluir a frase no momento azado.

Ser tototodo gago, explicava, era ser gago na fala e gago na vida, gaguejando até no futebol, especialmente na hora de fazer o gol. O que mais Vavaval tinha feito na vida era isso, perder gol. Em cima da linha, em cima da hora, debaixo da trave, debaixo da chuva, debaixo do sol. Ser tototodo gago, explicava novamente, é ser inteligente mas ser agoniado, e querer resolver de vez, afobado, e tropeçar nas palavras, fafalando, e tropeçar nas pernas, jojogando.

Aroeira coçou a cabeça, viu possibilidades, e mandou Valgago cantar. Todo o mundo sabe que gago só não gagueja quando canta, e o treinamento de Vavaval começou a ser treinamento especial, com vitrola ligada, e instrutor de canto ao lado para que o dito não parasse nunca de cantar, especialmente durante o jogo. Era um espetáculo a mais assistir jogo com esse esquisito jogador cantante que cantava quando carregava a bola para cima dos adversários e cantava quando batia falta ou quando chutava para o gol, dentro da área, arrematando o lance para delírio do torcedor.

Cresceu em habilidade, começou a fazer gols com muita freqüência, alguns de inesperada inspiração. Quando perguntado sobre o gol mais bonito, escolhia um que começara flautando com um samba-canção de Noel Rosa, meteu um Pixinguinha por debaixo das pernas do zagueiro adversário, até invadir a área com Vicente Celestino e tudo, para desespero impotente de um goleiro atordoado. Cantava treinando, treinava cantando, com bola, sem bola, cantando, cantando e cantando.

Só não durou mais nos gramados porque começou a cantar mulher dos outros e a fama se espalhou de que não gaguejava na cama (ou a sua gagueira era o próprio ingrediente?) e se atreveu a cantar a mulher de Quindim que, se não era de muitas palavras, também não era nem de alisar gago nem de levar gaguice pra casa. Quindim era tão forte que ninguém conseguia fazer retrato três por quatro dele, somente oito por oito, e tinha um ciúme tão grande da Talila Loura que, mal Valgago fazia pigarro preparando a garganta, fechava as mãos que mais parecia um pilão de socar café. Valgago lançou umas três notas pra cima de Talila, um ré sustenido, um dó maior e um fá perdido no meio, e já caiu no chão pela força do soco de Quindim. Levantou-se zangado, que era gago mas não era frouxo, e jogou-se sabido e valente pra cima de Quindim que tinha força mas não tinha técnica. Quindim apanhou tanto que já tinha gente querendo ter dó do brutamontes, machucado de baixo pra cima e de cima pra baixo.

Mas Vavaval era totodo gago e entre duas gagueiras distraídas Quindim acertou-lhe um munhecaço que jogou o outro pra cima de mesas e cadeiras com o agravante do acaso que às vezes também gagueja pra cima da gente. Valgago torceu o tornozelo, mas tão bem torcido que quando conseguiu desentortar, e haja cirurgia, teve de volta a passada pra andar e a pose pra cantar, agora somente mulher sem dono, mas nunca mais a firmeza para jogar.

Seu Madeira terminou a história, para tristeza de todos nós, certos de que Valgago se mais tivesse jogado mais histórias teria para alegrar a nossa memória. E continuamos a fascinação por esse maravilhoso Maravila F. C., com suas personagens eternizadas na memória oral da Vila, impressionados pelos mistérios e possibilidades da gaguice do futebol, da gaguice da fala, da gaguice da vida e da gaguice de todos nós.

Um comentário:

  1. Mumumumu-muuuuu-mumu-ito bom teteteteteu te-te-te-texto!!!!

    hahahahahahaha (riso gago)

    Legal as possibilidades que existem em teus textos cara! O massa é que vc não é engessado em só saber falar sobre coisas relacionadas ao cristianismo. Você é um observador. E muito mais do que livros lidos, a própria vida, o cotidiano e gente de toda espécie é inspiração para teus textos.

    Sorte nossa, seus fiéis leitores!

    Grande abrabrabrabra-braaaaa-bra-çççço!

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