segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Futebol, política e religião

Futebol, política e religião não se discute, resolve-se na pancada. Mas o pessoal da Vila Maravila está tentando aprender (viva a paciência de Paranísio) a controlar a violência embutida nesses apaixonantes assuntos “indiscutíveis”.

O futebol do Vila Maravila F.C. é unanimidade, todo mundo é torcedor. Os segundos ou terceiros times, Santa Cruz, Náutico e Esporte, nessa ordem, ou outros quaisquer, servem para gozação, brincadeiras e criatividade verbal, nunca para conflito corporal.

Sempre tem a questão do dissidente, mas essa, segundo Paranísio, é uma boa questão, desafio para se caminhar para negociações e entendimentos. Falei dissidente, no singular, porque é ele, Flauribento, e sua mania de geógrafo intelectual. Torce pelo Ipiranga, aquele time rival onde jogou Milicunha, símbolo eterno do mal no esporte e do esportista mau.

Esse Flauribento coloca a Vila no limite da exasperação, mas Paranísio aconselha sempre as sanções coletivas, simbólicas e sociais, cujo limite é o palavrão (liberado em toda a sua exuberância e polissemia), nunca a agressão física. Então, a mãe de Flauribento fica mais lembrada do que mãe de juiz.

Política, todo o mundo vota em Lula, ou quem Lula indicar, porque Paranísio indica, embora meio desconfiado do companheiro, sempre achando que esse Lula aí é um sósia ou ator global e não aquele Lula lá. As discussões sobre a composição do governo é discussão posterior, mas todo o mundo espera sempre (até agora inutilmente) um grande cargo para Paranísio, um ministério ou a chefia da casa civil. Se derem essa chance, garante o próprio Paranísio, o Brasil se torna socialista rapidamente; e ninguém duvida disso lá na Vila.

Resta a religião, histórica fonte de preconceito, inimizade, conflitos e até guerras, mas foi sendo resolvida na base da amizade e do entendimento (haja reunião e trabalho de articulação por parte de Paranísio). Atualmente, no andar das entabulações, todo o mundo na Vila é cristão (solução duvidosa, mas provisória, da criatividade dos moradores).

Cristão de padre, cristão de pastor, cristão de pai-de-santo, cristão que reencarna, cristão que incorpora, cristão da postura da flor-de-lótus, até cristão que não acredita em Deus (categoria em que Paranísio se reconhece), vivendo o diálogo e a harmonia fraterna, apesar dos senões esperados.

– Cristo – insiste Paranísio – vivia de amor e de conversa. Uma historinha aqui, uma piada por ali, uns versos meio marotos, uns ditos assim tipo pára-choque de caminhão. Foi o maior socialista que a história jamais produziu. Eu não creio em Deus, mas sou seguidor de Cristo (e aqui eu nunca sei se Paranísio não está apelando para a demagogia). Aquela conversa fiada foi a conversa mais afiada do mundo todo. Foi a navalha que fez barba e bigode do Império Romano. E olhe que Jesus nunca usou de violência, até por que a força das armas tava era do outro lado. Do seu lado só tava o povo e a sua palavra de vergonha.

Quando alguém lhe lembra que Jesus empunhou um chicote para expulsar cambistas do templo, ele fica pensativo.

– É verdade – continua – tem vez que só na pancada. – Mas também aquele pessoal era de tirar a paciência até do Cristo – e repete, para finalizar, um dos provérbios populares preferidos da Vila: – “Era dos costados de Milicunha”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário